A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Tal não a impedia, porém, de tentar fazer das suas.
Quando Salazar recebia senhoras novas e mulheres vistosas se fechavam com
ele no escritório ou nos salões, a governanta «zangava-se, estava sempre com
sete olhos em cima delas».
Eram horas de repelões, amuos e fúrias que descarregava nas criadas, cujos
motivos elas topavam à légua. «Ouvia-a dizer a outras empregadas para
escutarem as conversas quando fossem servir qualquer coisa», recorda Rosália.
Ainda com saúde, Salazar gostava de passear pelos jardins do palacete «com
as senhoras. Houve até uma condessa, que por lá parava muito, com quem ele
andava sempre de mão dada.»
Quando apreciava uma companhia, o ditador refugiava-se entre árvores e
flores, em caminhadas lentas e conversadoras, deixando por momentos as
formalidades e o rosto fechado. «No final, gostava de acompanhar as pessoas à
porta.»
Nem sempre. Contava-se que quando Salazar se despedia dos convidados a
meio do corredor, sobretudo se fossem ministros, era sinal de que as boas
graças junto do ditador estavam por um fio.
Caso o chefe do Governo se despedisse ainda no gabinete, a personagem era
dada como politicamente morta.
Alguns pedidos de visita, sobretudo femininos, eram cancelados pela
governanta sem que Salazar soubesse. Inventava afazeres, reuniões, descansos,
para evitar que a casa fosse invadida pelas senhorecas que lhe deixavam os
nervos em franja.
Mas se Maria nem sempre conseguia evitar que «o senhor doutor» abrisse as
portas da sua intimidade às visitas mais indesejáveis, o mesmo não se passava
com a correspondência recebida em São Bento, dirigida a Salazar. «Ele recebia
muitas cartas de amigas. Uma escrevia-lhe todos os dias. A dona Maria, quando
via essas cartas, com muitos coraçõezinhos por fora, mandava-as logo para o
caixote do lixo. Ele se calhar nem imaginava as paixões que tinham por ele.»
Quando as empregadas iam despejar a papelada à casa da caldeira,
«apareciam cartas e cartas por abrir. De mulheres, muitas, mas de outras
pessoas também. O senhor doutor nem as via, ela é que decidia.»


Se descontarmos a correspondência perfumada, o filtro da governanta
deixava passar todas as miudezas, misturadas com os assuntos de Estado.
Na verdade, Salazar e Maria eram, desde tempos idos, o depósito dos

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