A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

promiscuidade é verbo e substantivo.
As crianças nascem de mães com idades entre os 13 e os 50 anos, brincam
descalças, sujas de lama. Algumas não vão à escola e vadiam noite e dia.
Comer carne é um sonho alimentado até ao osso.
Em Lisboa vivem 70 mil famílias em barracas, quartos «ou partes da casa».
Na capital há transportes coletivos infestados de pulgas. Em Viana do Castelo
1500 pessoas amontoam-se às portas da cidade em dois bairros sem acessos,
ruas, eletricidade e água.
De norte a sul, faltam esgotos, estradas, caminhos, transportes,
comunicações, energia, habitação, equipamentos sanitários e assistenciais. No
interior mora um País entre sombras e escuridão, com candeia de azeite e
candeeiro a petróleo. As sopas de cavalo cansado marcam a rotina do
amanhecer de adultos e crianças que em alguns casos, reporta a imprensa,
vivem «como verdadeiros animais».
O agricultor, longe da mitologia do Estado Novo, parece condenado «a
empobrecer alegremente». Mas os agrónomos estão «atrás das secretárias nas
grandes cidades», os veterinários «ocupam-se dos cães das senhoras ricas» e os
médicos dedicam-se à psiquiatria, «novo eldorado para uma profissão que se
enobreceu na memória de um João Semana».
A máquina administrativa do Estado «não funciona eficazmente».
Pelas fendas da censura, O Século consegue relatar «despesas sumptuárias e
supérfluas» nas «repartições e gabinetes corporativos». Abusa-se na utilização
de automóveis de Estado.
A emigração é a dolorosa realidade.
Em França, os homens portugueses pegam «em pás e picaretas» e as
mulheres servem como criadas ou vão para as fábricas, trabalhar duro. Oito em
cada dez emigrantes «vivem na miséria». O Alentejo é região de «mulheres
sem maridos e filhos sem pais». Em Baleizão, nem os mortos sossegam:
aguardam dias para serem sepultados.
Por esta altura, uma criada com a quarta classe pode ganhar 725 escudos num
organismo oficial, com direito a alimentação e a reforma. Um empregado
bancário leva para casa 2800 escudos. Num posto de correio, em Silves, uma
funcionária bate com a porta porque o ordenado, 60 escudos, «não chega para
manter-se».
Um pão de centeio, médio, custa 4$50. Um litro de leite 1$64.
O bilhete de uma zona, nos transportes públicos, um escudo, o preço do
jornal. Umas calças de homem, cem. Uma excursão Fátima, mais cem, pouco

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