Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

Mary e o seu hálito, quando Frances se debruçou sobre ela, tinha um cheiro azedo e pútrido
como um esgoto.
Com dedos trémulos, desapertou o resto das fitas do camiseiro e abriu-o mais.
Sob a axila de Mary, viu um inchaço, com um centro cheio de pus, e quase gritou as temíveis
palavras «Senhor, tem piedade de nós!»
No exterior do alojamento, ouvia os cavalos a relinchar e a bater com os cascos, ansiosos por
partirem, os freios a estalar, assim como as outras aias, que tagarelavam na tarde de verão.
E, contudo, no pequeno quarto, Frances ponderava o que fazer perante aquele terrível dilema.
Se contasse às outras aias, o medo espalhar-se-ia pelo grupo reunido como se um fantasma se
tivesse erguido da sepultura. A proximidade da rainha a uma fonte de contágio provocaria o
pânico.
Deveria enviar uma mensagem à mãe de Mary, para que viesse o mais depressa possível?
Frances hesitava, dividida. Desprezaria a duquesa os seus receios para acorrer à filha? Não.
Só havia uma solução. A natureza da maleita de Mary tinha de ser ocultada. A partida da
rainha era uma bênção, já que a afastaria do mal e tornaria tudo mais simples, sem a presença
das aias a cacarejar por ali como galinhas aquando da aproximação de uma raposa.
Frances deteve-se: seria a sua ação o cúmulo da perversidade? Já tinha ocultado a notícia do
aborto da rainha e agora tencionava esconder uma vítima da peste. Com que risco, tanto para
outros como para si mesma?
Pensou nas casas de St. Giles e nos gritos angustiados das pessoas encarceradas e
condenadas à morte. E ser encarcerada seria de facto o destino que esperaria a arguta e
inteligente Mary, se Frances permitisse que se soubesse qual a enfermidade que a acometia.
Contudo, para esconder a verdade, teria de arcar com uma dura consequência. Ver-se-ia ela
obrigada a permanecer e a cuidar da jovem.
Frances virou-se e viu um espelho na parede. Uma jovem encantadora fitava-a, com o cabelo
castanho-claro, uns límpidos olhos cinzentos e uma pele que ostentava o rubor fresco e puro da
juventude. Uma jovem que dançava com maior graciosidade do que qualquer outra dama, cuja
forma de montar superava a de todas as rivais, que adorava construir castelos de cartas, caçar
com falcões e sentir o vento a soprar-lhe no rosto; que ansiava por morar na casa senhorial que
desenhara inúmeras vezes antes sequer de a ter visto. Fechou os olhos, tentando não pensar nas
histórias que ouvira acerca de vítimas cobertas de feridas, com os olhos salientes, fugindo de
casa e correndo para a rua devido à insuportável dor dos seus inchaços.
Poderia não vir a ter a vida que desejava, mas ao menos tinha a oportunidade de fazer algo
bom.
Fechou a porta e trancou-a, chamou um criado e deu-lhe uma mensagem para Jane La Garde, a
mais bondosa e menos desconfiada de todas as aias. Mary estava realmente adoentada, dizia na
mensagem, e Frances ficaria com ela enquanto recuperava, após o que ambas seguiriam quando
a doença a deixasse. Tinha apenas um pedido. Que a sua velha ama fosse chamada para a
auxiliar.
Enquanto observava a fila de carruagens que partia, acenando em despedida, Frances ia-se

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