com o furacão do rei caso ele descobrisse; contudo, aqui estou. – Segurou-lhe uma mão com a
sua, nodosa. – O rei sofre como nunca o vi sofrer. Ele poderia dar-lhe uma ordem. Mas não o
faz. Pede-lhe; roga-lhe. Não poderá apiedar-se dele, a bem da nação?
Frances levantou-se, retirando a mão da dele.
- Não resisto ao rei, como alguns supõem, por refulgir com virtude como se fosse um farol de
luz sagrada. Faço-o porque desejo outra vida! - E essa outra vida – perguntou o chanceler Clarendon com uma delicadeza surpreendente –,
há alguma perspetiva de a atingir? Será com algum cavalheiro que não ouse ofender o rei? - É mais complicado do que isso.
- Ah. Então não é somente Sua Majestade quem se interpõe no caminho da sua felicidade?
- Não.
- Nesse caso, não poderá apiedar-se do rei, pelo menos por ora? Até essa outra vida se
tornar uma possibilidade? Bem sei que a virgindade não é facilmente restaurada... - Que me importa a virgindade?! – ripostou Frances. – Não é a virgindade que me esforço
por proteger, mas a minha honra. Se amo outro homem, ao ir para a cama do rei estarei a
enganá-lo e isso é algo que não quero.
Clarendon observou-a, sopesando as palavras dela sem troçar. - E, no entanto, tanto quanto percebo, é possível que nunca venha a ter esse homem que crê
amar.
Era aquela a verdade cruel e dolorosa. Um facto que ela não podia evitar. - Então não terei ninguém.
- Mistress Stuart, condoo-me do rei. De todas as do seu sexo, ele escolheu uma dama cujo
coração é feito de basalto. - Isso não é verdade! – As lágrimas começavam a turvar-lhe a visão. – O meu coração não é
de pedra. Acelera, salta e derrete-se como qualquer outro. Mas a honra é aquilo que mais define
uma pessoa. Se me entregar ao rei sem honra, engano-o tanto a ele como a mim mesma, para
além do homem que amo.
Clarendon pôs-se de pé. - Mistress Stuart, gosto de si e admiro-a. As outras damas que ele corteja têm sangrado o rei
e o país, deixando-os secos. Têm demonstrado ganância e rapacidade, sem que ele alguma vez
tenha conseguido recusar-lhes o que querem. A senhora nada pediu. E, não obstante, apesar de
todas as falhas de Sua Majestade, lamento-o e à cama de espinhos em que se encontra.
Todavia, o rei não teve muito tempo para definhar na sua cama de espinhos, pois outro
desafio, quase tão grande como o último que se abatera sobre Londres, aguardava nos fornos do
padeiro Thomas Farriner, fornecedor da Marinha, em Pudding Lane, e, a qualquer momento,
ganharia um ímpeto maligno e destrutivo.
25 À letra, Lucy Sem Amor. ( N. da T. )