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TVER OBLAST, RÚSSIA
Outrora, aquela fora a dacha de um homem poderoso — um membro
do Comitê Central, talvez até mesmo do Politburo. Ninguém sabia dizer
com certeza, porque, nos dias caóticos que se seguiram ao colapso da União
Soviética, tudo havia sido perdido. Fábricas pertencentes ao Estado
permaneceram fechadas, pois ninguém conseguia encontrar as chaves;
computadores do governo entraram no modo de repouso, porque ninguém
conseguia se lembrar dos códigos. A Rússia entrara aos tropeções num
admirável novo milênio sem qualquer mapa ou lembrança. Alguns falavam
que ela ainda não tinha memória, embora agora a amnésia fosse proposital.
Por muitos anos, a dacha esquecida ficou vazia e abandonada, até
que um construtor moscovita com uma fortuna recém-obtida, chamado
Bloch, adquiriu-a por uma ninharia e realizou uma reconstrução completa.
Por fim, assim como muitos novos-ricos da Rússia, entrou em conflito com a
nova equipe do Kremlin e decidiu deixar o país enquanto ainda podia.
Estabeleceu-se em Israel, em parte porque se achava um pouco judeu, mas
principalmente porque nenhum outro país o acolheria. Com o passar do
tempo, vendeu os bens russos, mas não abriu mão da dacha na Tver Oblast.
Resolveu dá-la a Ari Shamron, dizendo-lhe para fazer bom proveito.
A dacha ficava ao lado de um lago sem nome, e a rua que conduzia
até ela não aparecia em nenhum mapa. Não era bem uma rua; tratava-se
mais de um sulco que fora criado na floresta de bétulas muito antes de
qualquer pessoa ouvir falar de um lugar chamado Rússia. O portão original
da dacha ainda existia. Por medo, Bloch — filho da era stalinista — não
removera a velha placa soviética de “Entrada Proibida”, que agora reluziu
brevemente sob os faróis de Gabriel enquanto ele subia aos solavancos pela
pista coberta de neve. A dacha logo surgiu à sua frente, uma construção
pesada de madeira com o telhado pontudo e varandas espaçosas ao redor.
Havia diversos veículos estacionados em volta da casa, inclusive um
Mercedes Classe E de propriedade da Volgatek. Quando saiu do utilitário,
Gabriel viu a luz de um cigarro na escuridão.
— Bem-vindo a Shangri-Lá — disse Keller, que usava uma jaqueta
grossa e segurava uma Makarov.
— Como está o perímetro?
— Um frio dos infernos, mas seguro.