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LONDRES
Trinta horas depois, um funcionário júnior da Downing Street
entregou um pacote com vários jornais numa casa de tijolos vermelhos em
Hampstead. A residência pertencia a Simon Hewitt, o diretor de
comunicações de Jonathan Lancaster, e o baque contra sua porta o acordou
de um sono atipicamente profundo. Ele estava sonhando com um incidente
da infância, quando um valentão da escola o deixara com um olho roxo. Era
uma leve melhora em relação ao pesadelo da noite anterior — em que fora
despedaçado por lobos —, ou mesmo ao da outra noite — uma nuvem de
abelhas o picava até deixá-lo todo ensanguentado. Tudo fazia parte de um
tema recorrente. Apesar do triunfo de Lancaster nas urnas, Hewitt estava
tomado por uma sensação de desastre iminente muito diferente de qualquer
coisa que tivesse sentido desde que viera para a Downing Street. Tinha
certeza de que o silêncio na imprensa era ilusório. Sem dúvida um terremoto
estava prestes a acontecer.
Tudo isso explicava por que Hewitt demorou para sair da cama e
abrir a porta da frente naquela fria manhã londrina. Ao abaixar para pegar
os jornais, sentiu um espasmo nas costas, um lembrete do peso do emprego
sobre a sua saúde. Ele levou o pacote para a cozinha, onde a cafeteira emitia
o chacoalhar enferrujado que sinalizava o fim de sua vida útil. Depois de se
servir uma xícara grande e cobri-la com creme de leite fresco, tirou os jornais
do plástico. Como sempre, o antigo periódico de Hewitt, o Times, estava no
topo. Ele o examinou rapidamente, não encontrou nada que chamasse
atenção e seguiu para o Guardian. Depois foi a vez do Independent. E, por
fim, do Daily Telegraph.
— Merda — praguejou em voz baixa. — Merda, merda, merda.
No começo, a imprensa não soube bem que nome dar àquela história.
Tentaram “O Caso de Madeline Hart”, mas pareceu restrito demais. Assim
como “O Fiasco de Fallon”, que durou algumas horas, ou “A Conexão do
Kremlin”, que gozou de uma breve aparição na ITV. Ao fim da manhã, a
BBC tinha se decidido por “O Caso da Downing Street”, que era vago, mas
amplo o bastante para cobrir todas as espécies de pecado. O resto da
imprensa rapidamente adotou o título, e assim nasceu um escândalo.