A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

D


RAQQA, SÍRIA

esde o começo, ela deixou claro para Jalal Nasser que só podia ficar na Síria por um
tempo limitado. Tinha de estar de volta à clínica no máximo no dia 30 de agosto, fim das
férias de verão. Se ela se atrasasse, seus colegas e sua família imaginariam o pior. Afinal,
ela era engajada politicamente, deixara pegadas na internet, perdera seu único amor para
o jihad. Sem dúvida, alguém chamaria a polícia, a polícia chamaria a DGSI, e a DGSI
colocaria o nome dela na longa lista de muçulmanos europeus que se uniram aos
escalões do ISIS. Haveria matérias na imprensa, reportagens sobre uma mulher culta,
uma cuidadora seduzida pelo culto de morte do ISIS. Se isso acontecesse, sua única
escolha seria permanecer na Síria, que não era o que desejava, pelo menos não agora.
Primeiro, queria vingar a morte de Ziad atacando o Ocidente. Depois, inshallah, voltaria
à Síria, e se casaria com um soldado e teria muitos filhos para o califado.
Jalal Nasser tinha dito querer a mesma coisa. Portanto, foi uma surpresa para Natalie
que, três dias e noites após sua chegada a Raqqa, ninguém tivesse vindo buscá-la.
Miranda Ward, sua companheira de viagem, permaneceu com ela no apartamento perto
do Parque al-Rasheed como guia e supervisora. Não era a primeira visita de Miranda a
Raqqa. Ela era uma xerpa no funil secreto que levava muçulmanos britânicos do leste de
Londres e do interior do país à Síria e ao califado. Era um disfarce, uma farsa, o
rostinho bonito. Tinha acompanhado homens e mulheres, posando como amante e
amiga — ela era, brincava, “bijihadista”.
Não era um apartamento de verdade; era um pequeno cômodo vazio com uma pia
pregada na parede e alguns cobertores em um chão sem nada. Havia uma única janela,
através da qual fluíam livremente partículas de poeira, como que por osmose. Os
cobertores tinham cheiro de animais do deserto, camelos e bodes. Às vezes, um fio
pingava da torneira da pia, mas em geral não havia água; elas a recebiam de um
caminhão-pipa do ISIS na rua e, quando o caminhão não vinha, traziam água do
Eufrates. Em Raqqa, o tempo tinha voltado atrás. Material e espiritualmente, a cidade
estava no século VII.
Não havia eletricidade — alguns minutos por dia, no máximo — nem gás para
cozinhar. Não que houvesse muita coisa para comer. O pão estava em falta numa terra
onde ele era a base da alimentação. Cada dia começava com uma expedição para encontrar
um ou dois filões. O dinar do ISIS era a moeda oficial do califado, mas, nos mercados, a
maioria das transações era feita com a antiga libra síria ou com dólares. Até o ISIS
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