A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

Bouchard olhou para o israelense, que surpreendentemente estava sorrindo. Seu
alívio era palpável, mas Bouchard percebia alguma outra coisa. Como francês, sabia uma
coisinha ou outra sobre assuntos do coração. O israelense estava apaixonado pela mulher
que acabara de voltar da Síria. Disso, Bouchard tinha certeza.


Ela se acomodou tranquilamente em seu apartamento na banlieue de Aubervilliers e
voltou à sua antiga vida. Era a Leila de antes de Jalal Nasser abordá-la no café do outro
lado da rua, a Leila de antes de uma garota bonita de Bristol atravessá-la secretamente
para a Síria. Nunca testemunhara os horrores de Raqqa nem a tragédia de Palmira,
nunca arrancara estilhaços do corpo de um homem chamado Saladin. Estivera na Grécia,
na encantadora ilha de Santorini. Sim, era tão lindo quanto ela tinha imaginado. Não, ela
provavelmente não voltaria. Uma vez era suficiente.
Ela estava excepcionalmente magra para uma mulher que estivera de férias, e seu
rosto carregava evidências de tensão e fadiga. O cansaço não diminuía, pois, mesmo
depois de sua volta, o sono fugia dela. Ela também não recuperou o apetite. Forçava-se a
comer croissants e baguetes e Camembert e massa, e rapidamente ganhou um ou dois
quilos perdidos. Não ajudou muito na aparência. Ela parecia uma ciclista depois de
completar o Tour de France — ou uma jihadista depois de passar um mês treinando na
Síria e no Iraque.
Roland Girard, o gerente de mentira da clínica, tentou aliviar a carga de pacientes
dela, mas ela nem quis saber. Depois de um mês no mundo de ponta-cabeça do califado,
sentia falta de alguma sombra de normalidade, mesmo que fosse a de Leila, e não a sua
própria. Descobriu que sentia falta de seus pacientes, os habitantes das cités, os cidadãos
da outra França. E, pela primeira vez, viu o mundo árabe da forma como eles certamente
o viam, como um lugar cruel e implacável, um lugar sem futuro, um lugar de onde era
preciso fugir. A maioria deles queria apenas viver em paz e cuidar de suas famílias. Mas
uma minoria — pequena em porcentagem, mas grande em número — tinha caído no
canto de sereia do islã radical. Alguns estavam prontos para assassinar seus concidadãos
franceses em nome do califado. E alguns certamente teriam cortado a garganta da dra.
Hadawi se soubessem o segredo que ela escondia embaixo de seu hijab.
Apesar disso, ela estava feliz em estar novamente com eles, novamente na França.
Principalmente, estava curiosa sobre por que não tinha sido chamada para a sessão de
interrogatório que, secretamente, temia. Eles a estavam observando; ela os via nas ruas
da banlieue e à janela do apartamento em frente ao dela. Supunha que estivessem apenas
sendo cuidadosos, pois certamente não eram os únicos a observar. Com certeza, pensou,
Saladin também a estava observando.


Finalmente, na primeira sexta-feira à noite depois de sua volta, Roland Girard a
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