Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

Piombo. O restaurador tinha a convicção de que o rapaz ainda não estava
pronto para a gravura, e todos os dias à tardinha, antes de deixar a igreja,
escalava secretamente a plataforma de Antônio para inspecionar o seu
trabalho.
Francesco Tiepolo, o chefe do projeto San Giovanni Crisóstomo, era
o último a chegar, um trôpego, barbudo, vestia uma larga camisa branca e
um lenço de seda em volta do seu grosso pescoço. Nas ruas de Veneza os
turistas confundiam-no com Luciano Pavarotti. Os venezianos raramente
cometiam tal erro, pois Francesco Tiepolo geria a empresa de restauro com
mais sucesso em toda a região de Veneza. No ramo da arte veneziana ele
era uma instituição.
— Buongiorno — cantou Tiepolo, e a sua voz cavernosa ecoou na
cúpula central. Agarrou a plataforma do restaurador com a sua grande mão
e deu-lhe um violento abanão. O restaurador olhou pela beira como um
gárgula.
— Quase estragavas uma manhã inteira de trabalho, Francesco.
— É por isso que usamos verniz isolante. Tiepolo levantou um saco
de papel branco.
— Cornetto?
— Sobe.
Tiepolo colocou um pé no primeiro degrau do andaime e elevou-se.
O restaurador conseguiu ouvir a tensão da tubagem de alumínio debaixo do
enorme peso de Tiepolo.
Tiepolo abriu a sacola, entregou ao restaurador um cornetto de
amêndoa, e tirou um para si próprio. Metade desapareceu numa só
dentada. O restaurador sentou-se na beira da plataforma com os pés
balouçando para fora. Tiepolo parou em frente do retábulo e examinou o
seu trabalho.
— Se não soubesse, pensaria que o velho Giovanni entrou aqui
ontem à noite e reparou a pintura ele próprio.
— É essa a ideia, Francesco.
— Sim, mas poucos têm o talento para o conseguir.
O resto do cornetto desapareceu-lhe na boca. Limpou o açúcar em
pó da barba.
— Quando estará terminado?
— Três meses, talvez quatro.
— Da minha perspectiva, três meses será melhor que quatro. Mas
pelos céus, não vou apressar o grande Mário Delvecchio. Tens planos de
viagem?

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