O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

café. Quer fazer-me companhia?


—   Claro   —   respondeu   Laurinda,   sem hesitar.
E ficaram amigas para a vida.

Com o tempo, Regina chegou à conclusão de que até era parecida com
Laurinda em muitas coisas. Era igualmente bonita, tinha o mesmo tipo de
cabelo, as mesmas cores, o mesmo descaramento, a mesma facilidade natural
para dizer o que lhe passava pela cabeça sem se importar com as
consequências. Só que lhe parecia que a amiga tinha as características dela
mas a dobrar. Mais bonita, mais alta, cabelo mais comprido, muito mais
ingénua, e por aí fora. Numa coisa Regina ficava a ganhar, na força de
carácter. Tinha pêlo na venta e ainda haveria de nascer o sacana que lhe desse
a volta com duas lérias. Até mesmo Nuno, que não contava porque, apesar de
todos os desgostos, amava-a, e ela a ele, já percebera há muito que só podia
esticar a corda até onde ela deixava. A partir daí levantava-se um pé de vento
que ele não ousava provocar, por saber que não haveria amor que o salvasse
se lhe pisasse a dignidade. Já Laurinda, era outro tipo de desfaçatez, falava da
boca para fora, chegava a ser inconveniente, mas porque, na simplicidade do
seu ser, não via a maldade de garras de fora, não percebia a inveja e o
ressentimento que a rodeavam disfarçados de bajulações variadas. Laurinda
sofria o efeito perverso de todas as facilidades que a sua deslumbrante beleza
lhe ia concedendo. Habituada a que as pessoas não se poupassem para a
agradar, Laurinda não tivera de lutar pela vida, não aprendera a defender-se.
O seu primeiro marido foi o seu primeiro choque, não estava à espera, não
imaginava que pudesse ser desprezada pelo homem que a deveria proteger.
Ele praticamente ignorou-a desde o regresso da lua-de-mel, desaparecia,
chegava a casa de madrugada, bêbado e intratável. Depois aquilo da
fotografia. Regina ajudou-a muito, abriu-lhe os olhos, e Laurinda, que era
inteligente, aprendeu depressa. Mesmo assim voltou a tropeçar no segundo
casamento, mas desta vez foi ela que o deixou. Era um tipo encantador,
insinuante, bonito de derreter uma rapariga, como todos os que escolhia aliás,
mas um playboy sem préstimo, um tolo sem fortuna, sem emprego, em suma,
um falhado. Não chegou aos dois anos. Laurinda mandou-o embora, encolheu
os ombros, reconheceu o erro, que queres, foi um entusiasmo, explicou a
Regina, e esta percebeu que, pelo menos, agora era ela quem controlava os
seus próprios desmandos.

Free download pdf