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Foi a primeira vez que a questão se impôs na sua mente, concreta, sem
rodeios, sem Regina a afastar instintivamente da cabeça como se faz a uma
mosca incómoda que nos desvia a atenção das coisas importantes. Será que
ainda gosto do Nuno, que ainda o amo realmente? Até hoje, Regina não
aceitava sequer ponderar tal possibilidade. Nuno era como era, mas ela não
podia viver sem ele, sabia-o perfeitamente. Deveras?, perguntou-se. Isso era
mesmo verdade, ou era apenas o medo de enfrentar o futuro sozinha, com um
filho para criar? E o orgulho ferido, já agora, levava-a a negar a derrota?
Vinha do aeroporto bastante abatida com o que tinha passado lá dentro, e
ainda se sentiu mais deprimida com a dúvida que a assaltou. Caminhou em
direcção ao carro, de chave na mão, lágrimas nos olhos. Tinha-se despedido
de Laurinda, a sua última amiga, numa convulsão de choros, abraços e risos
histriónicos de quem não podia estar bem. E agora isto. Não estava preparada
para assumir uma separação, nem sequer estava certa de que a queria. Achava
que não. O pior, pensou, o que a deixou espantada consigo própria, foi ter
admitido essa hipótese, algo que não lhe passara pela cabeça nem nos piores
momentos, em que Nuno se comportava como um filho da mãe odioso e ela,
de tão desconcertada, só lhe apetecia agarrá-lo pelos colarinhos e abaná-lo até
lhe arrancar da boca uma promessa de amor definitiva. Oh, sim, já ameaçara
deixá-lo, já se passara com ele e dissera-lhe as últimas, mas eram momentos,
explosões de irascibilidade, sem intenção de cumprir tudo o que se dizia.
Regina irritou-se com os seus botões. Não podia ter escolhido pior altura para
vacilar. Mas umas coisas levavam a outras e o seu estado de espírito resultava
da tensão crescente que a rodeava, do desespero palpável que se abatia
inexoravelmente sobre a cidade pegajosa, suja, desorientada. O Sol
inclemente, a humidade a oitenta por cento, o corpo encharcado, a camisa que
se torcia e escorria água, o cheiro a suor, a cansaço, a medo, o perigo que
espreitava a cada passo, a cada instante, traziam uma pessoa em alerta
permanente e, ao fim de algum tempo, conduziam a atitudes irracionais, a
reacções intempestivas. Adrenalina em excesso. Qualquer mal-entendido,
gesto precipitado ou palavra errada, era quanto bastava para a frustração
acumulada se traduzir numa torrente de violência. Assim como um acidente
de viação sem história se resolvia aos tiros, uma simples discussão sobre
futebol podia destruir um bar. Parecia que já ninguém media consequências,
que a moralidade era uma batata. O mundo a cair aos bocados à minha volta?
Quero lá saber. Mas, se me partes o carro, eu parto-te a cara, ou melhor, dou-
te um tiro entre os olhos e não se fala mais nisso. Porque isto, meu amigo,