hoje em dia é cada um por si. O ambiente em Luanda estava escaldante, e a
cabeça quente, a insegurança generalizada, eram sintomas de uma sociedade à
beira da loucura colectiva.
Regina já não sabia se Nuno preferia a aventura ou a família, se estava
viciado na adrenalina ou se se preocupava realmente. Ele e os seus negócios
perigosos com o misterioso senhor Dantas — Regina preferia dizer sinistro —
sugeriam-lhe que Nuno gostaria de ficar até ao fim em Luanda, para lucrar
com os inconfessáveis esquemas que pudesse aprontar, tirando partido do
caos, das necessidades de toda a ordem que certamente se iriam fazer sentir à
medida que a data da independência se aproximasse e a situação se agravasse.
Porque iria agravar-se, que ninguém duvidasse disso. Mas o que era realmente
importante para Nuno? O que estava em primeiro lugar nas suas prioridades, a
família e a sua segurança ou a vida louca que ele levava lá fora? Regina
meteu-se no carro, abriu os vidros para não sufocar, levou a chave à ignição e
parou a meio do gesto a pensar, perturbada. Abanou a cabeça, exasperada
com o seu labirinto. «Estou a ficar doida», disse, a falar sozinha. Pôs o motor
a trabalhar, arrancou e vingou-se na buzina, à saída do aeroporto. O parque de
estacionamento parecia um acampamento, o pequeno troço de ligação ao
largo da Mucaba estava congestionado e deste nem se falava. Por aqueles
dias, o aeroporto era um dos locais mais concorridos de Luanda, o outro era o
porto da cidade. Toda a gente queria sair dali para fora. Regina também, mas
por algum motivo não declarado, consubstanciado numa resistência passiva
de Nuno, não conseguia partir. Porque é que ele faz isto, sujeitar a família a
um sacrifício sem sentido? Nem sequer tinham ido ainda aos escritórios da
TAP, onde a fila para os bilhetes dava a volta ao quarteirão. Mas enfim,
embora a contragosto, Nuno acabara por reconhecer a inevitabilidade de
partirem. Era só vender o Dornier , juntar algum dinheiro e também eles se
iam daquele pesadelo, para paragens onde se pudesse respirar à vontade.
Apesar das notícias preocupantes que chegavam de Portugal, pelo menos em
Lisboa podia-se andar na rua sem ter de estar sempre a olhar por cima do
ombro.
Fosse como fosse, pensava Regina, não poderiam ficar em Luanda. Não
haveria lugar para os portugueses em Angola depois da independência. Achar
o contrário era pura fantasia. Luanda, a cidade de asfalto, dos brancos,
esvaziava-se a olhos vistos. Todas as cidades, aliás. De dia para dia, via-se
menos caras conhecidas. Era notório — e deprimente — porque diariamente
mais alguém se despedia ou, simplesmente, deixava de aparecer. Perguntava-
se o que era feito de uma pessoa e, vinha-se a saber, já se fora num dos muitos