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O homem estava sentado atrás de uma mesa de madeira tosca que fazia as
honras de um escritório espartano, todo ele em madeira escura, tão tosca
como a mesa e tão limpa como algumas tascas que Nuno conhecia, mas, ao
invés do tradicional fedor a vinho de pipa, notava-se a presença de um forte
odor a café em grão. À direita, uma janela deixava entrar a luz e esta tornava-
se perceptível como se fosse palpável, devido à grande quantidade de
partículas de pó que pairavam no pequeno e abafado compartimento.
— Caramba! — exclamou Nuno, a calcar alegremente as tábuas do chão,
que rangiam sob a sua bota, soltando mais uma boa quantidade de pó. —
Parece mesmo a minha cabana em cima da árvore.
Hoje está-lhe a dar para a graçola , notou o senhor Dantas, horrorizado,
ainda a bufar da escada de aspecto instável que acabavam de subir atrás do
brutamontes louro de cabelo à escovinha, do tipo militar, monossilábico, que
lhes abrira a porta da rua. Entraram para um armazém sombrio, com o chão
coberto por camadas de sujidade, praticamente vazio, excluindo uma fila de
sacos de café encostados ao longo da parede de tijolo à esquerda. O homem
fechou a porta atrás deles e ficaram temporariamente às escuras, até se
habituarem à luz ténue vinda da rua, que tentava romper o espesso pó que
cobria duas janelas tão altas que só se abriam de escadote. E não havia
nenhum escadote à vista. «Sigam-me», rosnou o homem, começando a subir a
escada de madeira, à direita, com um corrimão frágil de um lado, a parede da
fachada do outro. «Falador, o gajo, hem?», comentou Nuno, para grande
inquietação do senhor Dantas. Este lançou-lhe um olhar severo de
advertência, mas em troca só recebeu um sorriso de rapaz malcomportado. O
brutamontes nem se voltou nem replicou. Já estava lá em cima, no topo, a
bater à porta, a abri-la, a dar um passo em frente para lhes franquear a
passagem. Em seguida, Nuno entra e sai-se com aquela da cabana. O senhor
Dantas forçou um sorriso de improviso para suavizar a provocação. O tipo
atrás da secretária não se melindrou, ou, se se melindrou, não o mostrou.
— É apenas o escritório onde fazemos a contabilidade — disse, levantando-
se da cadeira e estendendo amistosamente a mão a Nuno, por cima da mesa.
— Silva Pinho — anunciou-se.
— Nuno Chaves — estendeu também a mão, perguntando-se a quem é que
ele se referiria quando falava de nós fazermos a contabilidade e, já agora, a
contabilidade de quê, se não havia ali nada?