O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Senhor Dantas, meu caro amigo, prazer em vê-lo — e Nuno reparou que
o caro amigo teve direito a um cumprimento moderadamente entusiástico,
uma mão aperta a outra, a segunda cobre as duas. Um gesto de quem se
conhece, mas com quem se faz cerimónia.


— E como está o senhor? — perguntou o senhor Dantas, como que a
emergir do seu fato ensopado, retomando a sua alegria espontânea, a empatia
imediata, a cortesia irrepreensível. O outro fez um trejeito de desafio com a
boca.


— O mundo pode estar a cair aos bocados — disse —, mas não me vou
abaixo assim tão facilmente.


— Ora, ainda bem, ainda bem.
— Mas, sentem-se, estejam à vontade — indicou duas cadeiras
razoavelmente limpas à frente da mesa. Sentaram-se.


Nuno deu uma olhadela de relance pelo cubículo e não viu nada de
interessante, senão as paredes, a mesa, o anfitrião. Atrás de si, à direita, a
porta fechou-se sem barulho e o guarda-costas desapareceu. Nuno virou-se
para a frente e concentrou-se em Silva Pinho. Era um homem na casa dos
cinquenta, de gestos suaves, muito controlado, cabelo curto grisalho, sorriso
político, conversa política, olhos perscrutadores. Nuno gostou tanto dele
como tinha gostado do agente Cardoso, com a diferença de que o Pide
reciclado
não se escondia atrás de um sorriso falso. Já Silva Pinho deveria ser
de tanta confiança como um pilha-galinhas, mas na versão sofisticada,
evidentemente, pensou Nuno. Achou-o algo baixo e magrinho, uma figurinha
demasiado, digamos, insignificante para ser um dos chefes da irmandade
branca, ou lá que organização é que ele representava. O mais desconcertante
no homem era a túnica árabe, creme, que envergava, como se fosse um
ocidental a imitar os nativos num esforço patético para se integrar, só que eles
não estavam no Médio Oriente, nem sequer no Norte de África, e a
indumentária exótica dava-lhe um aspecto deslocado.


Antes de entrarem, o senhor Dantas revelara-lhe que iam encontrar-se com
um alto representante da FRA, a Frente de Resistência Angolana. Esta
organização, apesar de se mover nos meandros secretos de uma certa
sociedade branca rica e inconformada, era sobejamente conhecida em Luanda.
Mal organizada, pouco eficiente, ainda assim reunia alguns espíritos
determinados que se propunham dar um golpe rodesiano, de modo a
concretizar-se a independência de Angola mas, no final das contas, o país

Free download pdf