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Nos seus primeiros tempos em Lisboa, Regina foi apanhada de chofre pelo
clima de irresponsabilidade social que atrapalhava qualquer tentativa de levar
uma vida normal. As pessoas pareciam ter sido acometidas por uma espécie
de loucura colectiva que, embora não fosse perceptível num contacto
imediato, tornava-se óbvia ao fim de algumas horas na cidade.
No início, parecera ser uma loucura inofensiva, algo folclórica, como se
Lisboa celebrasse uma festa popular que, no entanto, nunca mais acabava.
Toda a gente andava na rua e ninguém trabalhava, festejava-se a revolução e a
democracia. Alguém, uma mulher anónima, achou-se no direito de mostrar ao
mundo que era livre, descendo completamente nua a Avenida da Liberdade.
Faziam-se manifestações e era tudo muito bonito. Os portugueses, imbuídos
no espírito da liberdade que lhes oferecera a revolução, viviam dias utópicos,
pouco pragmáticos, era certo, mas cheios de esperança. No entanto,
gradualmente começaram a perceber que não bastava derrubar um governo e
acabar com a Polícia Política para se conseguir uma sociedade mais justa,
uma vida melhor. As manifestações não produziam respostas, as greves não
resolviam os problemas. O país era pobre e continuaria a sê-lo. Na verdade, a
economia ficaria ainda mais depauperada com a extravagante forma de vida
que a nação passaria a levar durante a epidemia de irresponsabilidade
revolucionária que a atingiu. As massas começaram a ser usadas como
joguetes nas mãos dos manipuladores, que esticavam a boa vontade do povo
mais para a esquerda ou mais para a direita, conforme a habilidade dos
contendores. A alegria inicial transformou-se em crispação, a luta política
endureceu, os meses passaram e a situação foi-se agravando. Os militares
faziam tudo o que podiam para não perderem o protagonismo e o poder
conquistado a 25 de Abril. Os políticos guerreavam-se ferozmente,
conspiravam, manobravam nos bastidores e na rua, e o mundo assistia
expectante, à espera para ver se Portugal se tornava uma democracia ocidental
ou se caía numa ditadura comunista.
Regina desistiu logo de arranjar um apartamento, de comprar mobílias, de
montar um lar. Por ora, decidiu, ficaria em casa dos pais. Na perplexidade que
paralisava os espíritos por esses dias incertos até um projecto tão simples
como o arrendamento de um apartamento era de difícil concretização. As
pessoas ocupavam casas, não as arrendavam. Os proprietários não confiavam
em ninguém, porque os inquilinos tomavam posse dos apartamentos,