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Patrício estacionou o jipe no pátio fronteiro à Fortaleza de S. Miguel, cujas
muralhas os portugueses de seiscentos haviam erguido, no alto do morro que
dominava a Cidade Baixa. Ali, Salvador Correia de Sá e Benevides refundara
a capital em 1648, depois de ter tomado de assalto com um punhado de
bravos a Fortaleza, último reduto de mil holandeses, que há sete anos
usurpavam Luanda à coroa portuguesa. A Fortaleza haveria de ser um
símbolo maior da presença lusa em terras de Angola até à última hora dos
quase cinco séculos de soberania. Naquele pátio, o derradeiro Alto-
Comissário português presidiria, dentro de alguns dias, à histórica cerimónia
do arriar da bandeira das quinas, antes de partir com os seus soldados rumo a
Lisboa.
Era ali também que o capitão Antero tinha gabinete. Regina conhecia bem a
história de como Nuno lhe salvara a pele há não muito tempo, quando o
homem se metera numa trapalhada de guerra que custara algumas baixas entre
as tropas que comandava. E, sabendo isso, Regina ia à procura dele para lhe
cobrar a dívida de sangue. Mas não teve sorte, porque o capitão está para fora,
mas vem amanhã, disse-lhe um soldado de serviço à porta de armas. Muito
longe não haveria de estar, pensou ela, pois já ninguém se aventurava para lá
dos subúrbios, e mesmo estes eram desaconselhados aos portugueses. De
modo que deixou recado a dizer quem era e que voltava no dia seguinte.
— Então? — perguntou Patrício, quando ela entrou no jipe.
— Então, nada, não estava.
— Que porra! — enfureceu-se, dando um murro no volante. Regina
compreendeu a frustração, ela sentia o mesmo. Começava a perceber que um
caso assim demorava tempo, exigia paciência. O seu problema era que tempo
era coisa que ela não tinha, e isso estava a deixá-la numa pilha de nervos.
Por aqueles dias, Patrício tinha-se arrumado com os seus parcos haveres
num apartamento exíguo na Avenida dos Combatentes, ali para os lados do
Largo dos Lusíadas. Arranjara finalmente um lugar seu onde viver porque
ultimamente andava assoberbado de trabalho, o que, diga-se de passagem,
para ele era uma novidade, dado que nunca fora do tipo de se dedicar muito a
coisa nenhuma. Fosse como fosse, Angola estava à beira da independência, o
novo país ainda nem sequer tinha nascido e já era pasto da guerra civil.
Luanda soçobrava no terror dos boatos, na confusão das meias notícias que
ninguém corroborava. Ouvia-se amiúde que a UNITA vinha por aí acima, ao