dentro de um ou dois dias. Teria sido assim, de facto, se a FNLA e os sul-
africanos não tivessem encontrado uma resistência invulgar em Benguela.
Esta oposição inesperada, embora anulada a tiro de canhão, revelar-se-ia
decisiva para o desfecho da guerra. A coluna Zulu, que em breve tomaria
todas as cidades costeiras até ao Cuanza, tinha sido retardada em Benguela
um tempo precioso para a defesa de Luanda. Esta haveria de destruir a ponte
sobre o rio Queve, o que impediria a coluna Zulu de chegar à capital, porque
todos as suas tentativas para atravessar o rio seriam fracassadas.
Mas nesta altura ainda ninguém imaginava que o desenlace daqueles dias
dramáticos seria favorável ao MPLA e, em Luanda, vivia-se num ambiente de
pânico com a expectativa da entrada da FNLA e da UNITA na cidade. Havia
relatos de que as tropas de Holden Roberto praticavam uma política de terra
queimada por onde passavam, falava-se em aldeias inteiras queimadas,
dizimadas, de corpos mutilados à beira das estradas, ao longo de dezenas de
quilómetros, no Interior do país. Dizia-se que os soldados da FNLA eram
canibais, a população de Luanda imaginava-os a entrarem na cidade, armados
com catanas, e a massacrarem as pessoas numa selvajaria de fazer correr rios
de sangue pelas ruas abaixo, até ao mar.
— Estamos perdidos — lamentou-se Patrício, desanimado.
Regina perdeu a fome, largou os talheres, cruzou os braços, concentrou os
olhos pensativos em Luanda, no outro lado do mar. Os navios tinham partido
e o porto já não estava atulhado de caixotes com os bens dos portugueses. Já
quase não havia brancos em Angola e ela sentia-se cada vez mais perdida. A
última coisa de que precisava era de Patrício em pânico, preocupado com a
própria vida, a imaginar que seria morto por bestas assassinas dali a uns dias.
Em circunstâncias normais, Regina seria mais sensível ao medo que
trespassava os olhos do amigo, mas ela viera a Luanda com um único e
exclusivo objectivo e, recordando a promessa que fizera a André — prometo-
te que trago o pai comigo —, decidiu que não se podia dar ao luxo de
dispersar a atenção com assuntos que, para todos os efeitos, a ultrapassavam.
Estaria a ser egoísta?, perguntou-se, talvez, mas disse a si mesma que era uma
questão de sobrevivência. Fosse lá o que acontecesse em Luanda dentro de
alguns dias, Regina não poderia fazer nada para alterar a situação, mas uma
coisa era certa: até lá, teria de encontrar Nuno e sair da cidade. A salvação de
Nuno dependia dela, o destino de Luanda era algo que a transcendia
completamente. Portanto, tinha uma prioridade e não se iria desviar dela por