O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

a maioria negros, graças a Deus não há mulheres e crianças , deu consigo a
pensar Patrício. Mais tarde acabaram por encontrar uma mulher desfigurada
no interior da casa. Teria cerca de cinquenta anos. Deduziram que fosse a
mulher de Silva Pinho.


Antes de saírem do carro, improvisaram lenços para cobrir o rosto. Os
corpos estariam ali há pelo menos quinze dias e o cheiro era insuportável.
Provavelmente, o comandante dos dois soldados que tinham encontrado na
estrada ordenara a barreira para evitar que alguém testemunhasse o massacre.
Talvez tencionasse voltar ao local mais tarde para enterrar os corpos numa
vala comum, de modo a esconder as provas; talvez não tivesse tido
oportunidade de o fazer devido a algum capricho da guerra, não sabiam dizer,
mas era evidente que os soldados tinham falhado a sua missão ao deixarem-
nos passar.


Contaram trinta e dois cadáveres no relvado, alguns amontados numa pilha
macabra, de que lhes ficaria a estranha imagem dos braços e pernas caídos do
que parecia ser o corpo inerte de uma centopeia humana gigante, sem vida.
Era como se os assassinos tivessem partido à pressa, deixando a meio o
trabalho de limpeza. Entre os mortos havia oito homens de raça branca e
Regina foi vê-los, um a um, torneando os cadáveres ao longo do relvado, para
confirmar que Nuno não era um deles. Não o encontrou, de facto. Os corpos
inchados, mutilados, exibiam cortes profundos provocados por golpes de
catana e constituíam um festim para as nuvens de moscas que os cobriam.
Manchas de sangue seco, descolorido pela acção do sol, cobriam a relva de
um vermelho mortiço. Regina descobriu que a vontade de matar dos
assassinos era tanta que, depois de acabarem com as pessoas, tinham
continuado a chacinar os animais domésticos. Cães, gatos e até galinhas
jaziam por ali à sorte, lado a lado com os corpos dos homens, igualmente
cortados às postas.


A casa teria cerca de trezentos e cinquenta metros que se estendiam por um
só piso. O proprietário abdicara de construir dois andares, obviamente porque
espaço era coisa que não faltava por aquelas bandas. O que em tempos teria
sido uma residência agradável estava agora transformado em escombros.
Podia-se imaginar um combate feroz. Os sitiados teriam tomado posições nas
oito janelas da fachada principal, a que dava para a relva, pois era nesses
pontos que a parede estava mais picada pelas balas dos atacantes. De facto,
tanto as janelas como as portas tinham desaparecido e as marcas da metralha
davam uma perspectiva esclarecedora da violência do combate. Havia

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