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Iam em silêncio, ele e ela, entorpecidos numa perplexidade. Patrício dava
atenção ao piso traiçoeiro, lutando para manter o jipe na estrada, incomodado
com a visibilidade reduzida por causa da chuva e das escovas inúteis que mal
limpavam o pára-brisas. Queria chegar cedo a Luanda e pisava no acelerador
bastante mais do que seria aconselhável naquelas condições. Mantinha a
secreta esperança de conseguir convencer Regina a embarcar no último avião
para Lisboa. Mas não tocou no assunto, não lhe pareceu adequado fazê-lo a
quente. Para já, tinha era de chegar a horas ao aeroporto e, como por aqueles
dias não havia garantias de nada quando uma pessoa se aventurava pelo
sertão, Patrício impacientava-se e forçava o motor ao máximo. Ao seu lado,
Regina, apática, nem reparava que ele guiava como se fosse num rali. Ela
demoraria o seu tempo a encaixar a derrota, a organizar as ideias, a recuperar
da profunda desilusão. Sentia-se grata por se ter enganado, evidentemente,
porque, se tivesse acertado no palpite, a esta hora Nuno fazia parte dos
mortos. Porra, nunca vi tantos mortos juntos, tantos cadáveres mutilados,
tanta violência! O que mais a chocava era a brutalidade, o gosto de brincar
com as vítimas, de lhes prolongar o sofrimento. Aquelas pessoas tinham sido
assassinadas por mentes perversas, possuídas pelo Demónio, ponderava
Regina, à falta de melhor explicação para tamanha barbaridade. Não lhe
ocorria mais nenhuma justificação, pois achava inconcebível que se tivesse
prazer em matar pessoas à catanada. Trinta e quatro pessoas, um banho de
sangue, literalmente!
O seu espírito navegava entre o choque e a incredulidade, entre o abalo
psicológico e a mais abandonada desorientação. E agora?, perguntava-se,
perdida, sem saber o que fazer a seguir. E agora?! Ela convencera-se de que
iria encontrar Nuno naquela fazenda, eu tinha a certeza!... não duvidara nem
por um segundo, não lhe ocorrera que pudesse estar enganada, não imaginara
outra possibilidade. Apostara a esperança inteira numa jogada só, como um
jogador de póquer, as fichas todas, os trunfos na mesa. Resgatá-lo-ia, iriam
directos para o aeroporto, ponto final. Mas perdera. Afinal, ele nunc ...
Patrício interrompeu-lhe os pensamentos com uma travagem brusca. Ele
estendeu o braço à frente do peito dela, num gesto automático, evitando que
fosse projectada contra o vidro enquanto as rodas bloqueadas escorregavam
na lama e o jipe se atravessava na estrada desgovernado.
Patrício percebeu que ia perder o controlo do jipe e tirou o pé do travão.