O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Ele nunca imaginou que conseguisse passar pela barreira. Quando viu o
camião de transporte de tropas e o jipe armado com um canhão sem recuo, a
primeira reacção de Patrício foi travar a fundo, dar meia volta, fugir. Mas foi
um mau reflexo, porque quase perdia o domínio do jipe e porque atrás deles
não havia saída, a estrada acabava na fazenda. Só lhe restava a fuga para a
frente.


A estrada fazia uma curva muito larga para a esquerda, tendo lá ao fundo a
pequena ponte de madeira, por cima do riacho, que Patrício se recordava de
ter atravessado na ida para a fazenda. O riacho seguia paralelo ao arco da
estrada e cortava a planície num sulco bem marcado no terreno. De facto, os
soldados esperavam-nos para cá da ponte, ainda antes do meio da curva,
confiantes de que tinham montado a sua ratoeira e que as presas fáceis iriam
ter com eles como estúpidos cordeiros para a matança. Afinal de contas, não
eram jornalistas, seguros da sua superioridade? Claro que sim. Já tinham dado
a volta aos pretos à ida, também poderiam fazê-lo à volta. O comandante
pensava assim, ansioso por lhes pôr as mãos em cima.


Mas Patrício não estava a pensar o mesmo.
— Os cabrões deixaram-nos passar e foram chamar o comandante —
exclamou, ressentido, a lembrar-se dos cigarros, das sandes, da garrafa de
água. — Cobras traiçoeiras!


— Porque é não nos mataram logo? — gritou Regina, perplexa,
interrompendo a sua lengalenga assustada de que não vais conseguir passar.


—   Porque  não sabiam  se  podiam. Foram   perguntar   ao  chefe.
— O que é que vais fazer?
— Já vais ver — respondeu. — Segura-te bem!

Deu uma guinada para a esquerda e o jipe saltou para fora da estrada num
voo inesperado. Havia ali um declive, perfeitamente possível de descer com
um veículo de tracção às quatro rodas, mas o jipe ia tão lançado que foi
aterrar no fim da rampa, batendo brutalmente com a parte de baixo da
carroçaria no chão irregular. As suspensões apertaram-se ao máximo, num
choque de molas, e logo catapultaram o jipe para cima, levando-o a novo salto
para a frente. Patrício segurou o volante com firmeza, impedindo o carro de
dar de flanco e rebolar. Acelerou a fundo e desceu, agora mais suavemente,

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