O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

declaração da independência. Dezenas de cães de raças nobres, deixados
pelos donos à sua sorte, deambulavam em matilha pelas ruas, desorientados,
revirando o lixo num desespero por comida.


Tudo aquilo metia dó. Guiada pelo instinto, Regina dirigiu-se para a
Marginal em busca do desafogo refrescante do mar. Aí chegada, o motor do
Volkswagen parou com um derradeiro soluço. O ponteiro da gasolina estava
irremediavelmente deitado para a esquerda e não havia onde encontrar
combustível. Regina aproveitou o balanço final para encostar à beira do
passeio. Puxou o travão de mão, deitou a cabeça nos braços, agarrada ao
volante e ficou ali abandonada num pranto silencioso. Faltava um dia para as
tropas portuguesas embarcarem e ela teve de aceitar que tinha perdido Nuno.
Percebeu que havia esgotado todas as opções e chegara ao limite das suas
forças. Sentiu uma angústia e um medo avassalador, como lhe acontecera na
fazenda. Teve dificuldade em respirar, suores febris, arrepios de frio, o
coração a galopar desenfreado no peito arfante. Reconheceu os sintomas de
um ataque de pânico, abriu a porta do carro e cambaleou até à borda do
passeio, sentou-se com a cabeça entre os joelhos e respirou profundamente,
lutando contra a sensação de desmaio iminente. Ficou ali quinze minutos.
Depois levantou-se, experimentou a firmeza das pernas, recuperou a
confiança.


Retirou a chave da ignição, fechou a porta do carro, reconsiderou, atirou a
chave para cima do banco através da janela aberta, virou costas e foi a pé para
casa. O dia seguinte era o último de quinhentos anos portugueses em África e
Regina pensou que precisava de sair de Angola nas próximas vinte e quatro
horas. Só não sabia como.

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