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O Presidente da República e o Governo portugueses tinham desenhado três
cenários alternativos para o modo como se procederia a transferência de
poderes no dia da independência e, para desespero do Alto-Comissário em
Luanda, andaram numa hesitação política até quase à hora da cerimónia. As
hipóteses eram entregar a soberania ao povo angolano sem reconhecer
nenhum poder de facto; depositar essa responsabilidade num governo de
unidade nacional composto por personalidades independentes que não
estivessem ligadas aos três movimentos de libertação envolvidos na guerra
civil; oferecer o poder ao MPLA, dado que era o movimento que controlava a
capital e estaria em condições de o receber, admitindo assim implicitamente
que este era o único representante legítimo de toda a população. Era já
madrugada quando o Alto-Comissário recebeu o telefonema definitivo de
Lisboa. O Presidente da República informou-o nessa altura de que, em
reunião com o conselho de ministros e a Comissão Nacional de
Descolonização, haviam decidido que se optara pela primeira hipótese.
Ao meio-dia e dez do dia dez de Novembro, o Alto-Comissário proferiu o
seu discurso histórico no salão nobre do Palácio do Governo perante uma
plateia de jornalistas vindos do mundo inteiro para testemunhar o nascimento
do novo país: «Em nome do Presidente da República Portuguesa, proclamo
solenemente, com efeito a partir das zero horas do dia onze de Novembro de
1975, a independência de Angola e a sua plena soberania, radicada no povo
angolano, a quem pertence decidir as formas do seu exercício.»
Depois da cerimónia, o Alto-Comissário teve um almoço privado com os
seus mais próximos na residência oficial, junto ao Palácio do Governo. Uma
última refeição, um adeus emocionado aos leais empregados que foram até ao
fim da epopeia portuguesa. Ao início da tarde, o Alto-Comissário foi
escoltado por blindados à Fortaleza de S. Miguel. Era aí que já se encontrava
Regina.
O capitão Antero movera as suas influências e conseguira um lugar a bordo
para Regina num dos navios da frota que abandonaria Luanda nessa noite.
Patrício levou-a no jipe e deixou-a no pátio fronteiro às portas da Fortaleza.
Saíram do carro, ele abriu a porta traseira, com o vidro e a chapa marcados
pelo picotado das balas, recordação de uma tarde para esquecer. Retirou a