EPÍLOGO
O ronco profundo e cavernoso dos motores do Niassa fez-se ouvir minutos
antes da meia-noite. Levantavam ferro. Nuno recolhera à enfermaria do navio
assim que embarcara, mas depois insistira em subir ao convés para assistir à
partida e ver Luanda pela última vez. Agora, ali estava em silêncio, um braço
por cima dos ombros de Regina, uma mão apoiada na amurada. A frota seguiu
para Norte em comboio.
Ao bater da meia-noite, o céu de Luanda iluminou-se com as balas
tracejantes que festejavam a independência de Angola. Mais a Norte, nas
margens do rio Bengo, em Quifangondo, os fogo das armas pesadas era a
sério. Nuno e Regina testemunharam a batalha na linha da frente, vendo o céu
iluminar-se com explosões no horizonte, como se fosse uma noite de
trovoada.
Nuno desviou os olhos para Regina e viu o rosto dela iluminar-se num
sorriso agradecido. Estás vivo, dizia a sua expressão, estamos vivos!
Naquele mês de Novembro de 1975, o MPLA venceu a batalha de Luanda
e, com a ajuda das tropas cubanas e o apoio bélico da União Soviética,
neutralizou a FNLA e empurrou as tropas sul-africanas e zairenses para fora
de Angola. Durante décadas, o regime de partido único manteve-se no poder,
sobrevivendo até aos dias de hoje a um golpe de Estado e a uma mortífera
guerra civil travada com a UNITA, a qual acabaria em Fevereiro de 2002 com
a eliminação física do seu presidente, Jonas Savimbi. Para a história ficaram
os anos de combates, as negociações de paz mal resolvidas e as eleições
patrocinadas por mediadores internacionais, cujos resultados pouco ou nada
valeram para acabar com o conflito armado. A maior vítima dos erros da
descolonização conduzida com leviandade pelos responsáveis portugueses, da
intervenção militar de potências mundiais e regionais e, finalmente, do
egoísmo inveterado dos governantes angolanos, foi sempre o povo, o qual,
com guerra ou sem guerra, continua a soçobrar numa miséria e numa
violência nunca vistas nos quase quinhentos anos de soberania portuguesa em
Angola.