O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Não estão nada presos — retorquiu Antero, adoptando um tom
autoritário logo a abrir as hostilidades. — Eles são portugueses e vêm comigo
para bordo.


— Quem disse? — assanhou-se o comandante.
— Digo eu, que sou capitão do exército português.
— Você já não manda nada aqui.
— Mando, mando. A independência só entra em vigor à meia-noite. Até lá,
o senhor vai libertar estas pessoas e ordenar aos seus homens que se retirem
desta base. Estamos entendidos?


Não estavam. Formalmente, Antero teria razão, mas na prática o
comandante das FAPLA tinha as suas ordens e elas eram muito específicas no
que se referia a ocupar a base naval que os portugueses haviam abandonado.
De modo que ficaram naquele impasse por mais uma hora de nervos, até a
boa vontade portuguesa prevalecer com muita conversa fiada e muitos
cigarros à mistura. Afinal de contas, falavam todos a mesma língua e ninguém
queria arranjar problemas, foi dizendo Antero, ficas com a base que eu fico
com os civis. Está bem assim? Estava.


Regina ofereceu um longo abraço a Patrício e segredou-lhe um imenso
obrigada por tudo. De nada, irmã, vai em paz. És doido em ficar com estes
gajos, disse ainda Regina, mas ele não se demoveu e foi dar um abraço de
despedida a Nuno.


— Obrigado por tudo, amigo — disse ele. Era a primeira vez que falava
desde que saíra da esquadra.


— Trata bem dela — recomendou-lhe Patrício, apontando com o polegar
para trás das costas. Nuno fez um sorriu dorido.


— Ela é que trata de mim — disse.
Dali a pouco iam a bordo da lancha e afastavam-se de terra em direcção ao
navio Niassa . Abraçada a Nuno, Regina lançou um sorriso a Antero e uma
ligeira vénia com a cabeça em sinal de reconhecimento. Sentado na outra
borda da lancha, Antero sentiu-se orgulhoso da sua pequena vitória. Em
seguida Regina deitou a cabeça no ombro de Nuno e ficou mais sossegada
quando viu Patrício no cais a acender um cigarro ao comandante que, não
fazia nem uma hora, mandara os seus homens apontarem-lhes os canos das
AK-47. É a porra da vida, pensou, desconcertada mas feliz.

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