O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

muito dinheiro. Mas, logo para começar, havia a dificuldade em arranjar
quem a fornecesse — tratava-se de uma droga rara que só chegaria em força a
Portugal uma década mais tarde. Depois, se o negócio desse para o torto e o
fornecedor perdesse um produto tão valioso e não pudesse pagá-lo, era um
homem morto, evidentemente. E de nada lhe valeria matar Nuno primeiro.
Poderia ser um conforto, mas não o salvaria de todo. Contudo, o lucro valia a
pena.


— Aguenta aí os cavalos.
Nuno voltou a sentar-se, cruzou os braços, com os olhos postos no fundo da
rua.


— Vou ver o que se arranja — acabou por dizer o fornecedor, com os
dentes cerrados. — Falamos amanhã.


Nuno riu-se para dentro. Aquilo era demais para o tipo. Fez que sim com a
cabeça, pôs a motor a trabalhar, arrancou. Obviamente, o fornecedor não
resistiria à tentação de dar um passo maior do que a perna. O retalhista queria
vender ao quilo. Grandes negócios, lucros a sério. Dava que sonhar, não?
Nuno conseguia imaginar o cérebro pequenino do homem a pensar que se lixe
esta merda toda, estou farto de vender pastilhas, vou despachar meio quilo de
branca, porque não?!
Nuno contava com esta reacção, esperava que o
fornecedor quisesse tanto fazer o negócio que nem tivesse a lucidez de pensar
bem no que lhe estava a acontecer. Era um tipo de rua, toma lá a pastilha, dá
cá a nota, coisas sofisticadas ultrapassavam-no. A ganância seria a sua ruína.
Isto, bem entendido, não queria dizer que o homem lhe fosse facilitar a vida.
Pelo contrário, desconfiado como era, o fornecedor haveria de se colar aos
seus calcanhares até o negócio se concretizar e Nuno, desesperado por se ver
livre dele, teria de correr muitos riscos para o conseguir.

Free download pdf