O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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A base militar era um daqueles lugares que miliciano algum desejava que
lhe calhasse na rifa. Bem no meio do sertão, que era como quem dizia, no
meio do nada. Isolada, perto das fronteiras com o Zaire, com a Zâmbia, por
onde os guerrilheiros se infiltravam e, por conseguinte, um alvo preferencial
destes. Ao contrário dos comandos, que eram largados de helicóptero em
equipas de cinco homens e varriam o terreno em operações de «caça», os
milicianos não se sentiam nada entusiasmados em deixar a relativa segurança
da base para se embrenharem na mata densa ou percorrerem as picadas onde o
inimigo tinha por hábito colocar minas. De qualquer modo, tendo ocorrido
uma revolução em Lisboa, pretensamente para acabar com a guerra, nestes
tempos de incerteza, a nossa tropa , ou NT, como lhe costumavam chamar,
preferia deixar-se ficar quietinha na unidade e esperar para ver. A ZML, Zona
Militar Leste, era, em 1974, a última onde se verificava alguma actividade da
guerrilha, e mesmo essa diminuta. Portanto, assim como assim, como a guerra
já estava parada por desistência do inimigo, ninguém sentia necessidade de se
aventurar lá por fora pelas picadas. Esqueceram-se talvez que, precisamente
devido à revolução, o inimigo ganhara um novo alento e poderia regressar em
força à actividade.


Apesar da fraca visibilidade, Nuno não teve dificuldade em localizar a base.
Implantada numa clareira, estava longe de constituir um oásis de segurança,
uma vez que era rodeada pela mata densa que, em caso de ataque, permitia
que o inimigo se aproximasse sem ser detectado até ao último momento. Uma
rede de arame fixada por troncos de árvores circundava toda a área da
unidade, embora Nuno já tivesse visto cercas de campos de ténis mais
resistentes do que aquela. Nos cantos estratégicos erguiam-se frágeis torres de
vigia que pouco ou nada cumpriam a sua função, visto ficarem no limite da
linha de árvores e a vegetação cerrada tapar irremediavelmente a vista às
sentinelas. Entre a cerca e a mata havia apenas uma picada estreita, por onde
costumava circular a população de uma aldeia próxima, a qual, embora
pacífica, não morria de amores pelas NT. O interior da unidade era constituído
por algumas barracas pomposamente chamadas de alojamentos e messe dos
oficiais, e pelos depósitos de armas, de ferramentas, de mantimentos, e ainda
por uma oficina, esta tão rudimentar quanto o resto das instalações. Chamar
àquilo base aérea seria um manifesto exagero, apesar de contar com uma curta
pista de terra batida e de registar um considerável movimento de Alouettes e
Pumas e, uma vez por semana, aterrasse um Dornier com provisões. A base
era usada como placa giratória das companhias de comandos. Dali partiam as

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