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A colecção de retratos que João Pedro fizera de Cristiane continuaria em exposição durante quinze
dias, mas os quadros estavam todos vendidos. O marchand exultava, era um sucesso tremendo!
Ainda por cima, André carregara nos preços.
— Não é um bocado demais? — perguntou João Pedro, impressionado com valores tão altos.
— É uma questão estratégica — disse André. — Quanto mais valiosos melhor se vendem, e a tua
reputação é directamente proporcional ao preço dos teus quadros.
— Mesmo assim...
— Não te preocupes. Um tema escandaloso pede preços escandalosos.
— Quanto custa um quadro da Paula Rego?
— Um pouco mais do que os teus — respondeu André. — Mas lá chegaremos, lá chegaremos.
É costume dizer-se que o mais difícil não é chegar ao topo, mas manter-se lá, e talvez seja
verdade, mas, naquele momento, João Pedro não achava nada que fosse assim. Por fim, chegara ao
topo da pirâmide e andava por lá a pairar com uma suave e doce descontracção, entre a solicitação
frenética da imprensa, as idas à rádio e à televisão, e o reconhecimento na rua, onde desconhecidos o
abordavam como se fosse uma estrela de cinema. Um jornal publicou na primeira página a fotografia
dele ao lado de um dos seus quadros e chamou-lhe génio! Parecia-lhe tudo tão extraordinário!
Durante anos penara no limbo da mediania e sentira a frustração de não evoluir, por mais que
trabalhasse esforçadamente e com uma dedicação perfeccionista. Não era nem muito bom nem muito
mau, era só um pintor competente, sem rasgo, que não fazia a diferença. A sua qualidade técnica era
incontestável, mas faltava-lhe inovar. Agora, porém, apresentara um trabalho que enchera de espanto
os especialistas do meio e, por intermédio dos jornalistas, o público, que adorava tudo o que se
relacionava com sexo.
Um vago eco inicial de polémica à volta dos quadros de João Pedro tinha vindo a ampliar-se de
dia para dia. Discutia-se apaixonadamente na comunicação social e nas redes sociais se o que ele
pintava era a legítima expressão artística ou a pura e simples pornografia grosseira. O assunto não
podia ser mais atraente e João Pedro recebia todos os dias convites para participar em programas de
televisão, onde ia de manhã, à tarde, à noite. Apanhava pela frente moralistas radicais e
fundamentalistas religiosos, todos defensores dos bons costumes e da boa ordem, que o acusavam
furiosamente de corromper a integridade moral da sociedade. E ele, bonacheirão, com o seu ar de
bom gigante, sorria sempre, deslumbrado com aquilo tudo, e respondia calmamente aos ataques
exaltados que lhe faziam. Na verdade, sentia uma grande indiferença pela revolta daquela gente
irada, mas também uma secreta gratidão pela campanha negativa que moviam contra ele, pois já se
tornara óbvio que resultava numa enorme acção de promoção. E não havia dinheiro suficiente que