acontecimentos que pareciam estar a acontecer-lhe.
Saiu para a rua todo satisfeito por ter travado conhecimento com Cristiane, pôs os óculos de sol,
foi pela canícula com um sorriso tolo até ao café.
O que pensar de Cristiane? A primeira e mais perturbadora impressão em que João Pedro ficou a
empreender, foi a espantosa coincidência, que não podia ser coincidência, de Cristiane ser, sem tirar
nem pôr, uma das mulheres do seu sonho, em carne e osso!
João Pedro nunca tivera tendência para misticismos, não era crente, não acreditava em milagres
nem no sobrenatural. Porém agora, tinha forçosamente de aceitar que era possível prever o futuro.
Ele não se imaginava com qualidades prescientes, aliás, se havia coisa em que tivesse falhado em
toda a linha fora a prever o seu futuro. Saíra-lhe tudo ao contrário, não acertara uma! Quando não,
por esta altura já seria o homem rico e famoso que vaticinara para si há muitos anos. Bem, quanto à
fama, houve uma época, no tempo da faculdade, em que João Pedro ambicionara alcançá-la. Nessa
altura, acreditava que a fama podia ser libertadora, podia colocá-lo nos píncaros, ao ponto dos
simples mortais o admirarem tanto que só ambicionassem venerá-lo. O tipo feio que toda a gente
gozava tornar-se-ia a estrela intangível que as pessoas sonhavam igualar. Não era um pensamento
totalmente descabido, porque a fama fazia milagres: abria portas, criava fortuna, produzia amigos
instantâneos, atraía mulheres bonitas. A fama era um facilitador da vida e antigamente João Pedro
contava com isso.
O problema é que João Pedro não estava preparado para a fama. Na realidade, ele nem sequer
chegara a ser famoso, porque se assustara logo com os excessos das gloriosas vernissages
organizadas pelo seu hiperbólico marchand , sempre tão espalhafatosas. João Pedro tremia com a
atenção derramada sobre si por um mar de gente alegre e desconhecida, sentia-se terrivelmente
inibido no centro daquele luxo mundano.
Voltando a Cristiane, imagine-se o espanto de João Pedro ao dar com ela à porta do prédio,
saidinha directamente do seu sonho! Mesmo sendo uma boa surpresa, não deixava de ser um choque
capaz de abalar qualquer um. Aquelas coisas só aconteciam nos filmes, na vida real um homem não
sonhava com uma mulher extraordinariamente bela e, na manhã seguinte, ela aparecia-lhe à frente.
Cristiane deveria ser uma fantasia, não existia, João Pedro nunca a vira a não ser no sonho. E no
entanto, lá estava ela, de jardineiras e ténis, deliciosamente simples, a mudar-se para o apartamento
do lado!
Como é evidente, Cristiane não era, de facto, uma das duas mulheres do sonho de João Pedro. As
mulheres do sonho dele eram, inevitavelmente, uma imagem difusa, uma sugestão de beleza criada
pelo seu cérebro e que não chegavam a ter uma fisionomia definida. Se João Pedro quisesse desenhar
o rosto delas num momento posterior ao sonho e já bem acordado, surpreender-se-ia por descobrir
que não conseguiria fazê-lo, pois só se lembraria que eram loiras, de olhos azuis e bonitas. Logo,
ficaria bloqueado no conceito de beleza que o seu espírito lhe fornecera durante o sonho para
produzir uma sensação agradável. Acontece que, por coincidência, Cristiane encaixava perfeitamente
no padrão idealizado por João Pedro enquanto dormia e, ao vê-la de repente, sentiu-se impelido a
acreditar que sonhara com ela.
A vida que construímos é mais resultante da percepção que temos da realidade a cada momento e
das decisões que tomamos em conformidade com esse entendimento, do que do significado genuíno