— Hum, não, mas, se quiser, posso dar-lhe uma ajuda.
— Não, deixe estar, eu desenrasco-me sozinha.
— A sério, não me custa nada. Tempo, é coisa que não me falta.
— Então e os seus quadros? Devem ocupar-lhe muito tempo, não?
— Os meus quadros estão um bocado parados.
Ela teve uma expressão intrigada.
— Estão?
— Com esta crise, o que é que não está parado?
— Pois, é verdade. Quer sentar-se? — perguntou-lhe, sentando-se a um canto da chaise longue,
confortavelmente, com a perna direita dobrada debaixo do rabo. João Pedro foi sentar-se na outra
ponta, cruzou as pernas e recostou-se largamente, o mais descontraído que conseguiu.
— Decidi trocar a mobília do meu pai pela minha — comentou ela. — Não vou ficar com quase
nada.
— E já trouxe tudo?
— Já. O problema é que a minha casa era metade desta e sobra muito espaço.
Passou uma hora, outra hora passou, deixaram-se ficar à conversa, facilmente, discorrendo por
assuntos inocentes. Eram só os dois naquela sala despojada, quieta, ora mergulhada numa
tranquilidade sem constrangimentos quando se calavam na coincidência de um silêncio momentâneo,
ora reverberando uma gargalhada espontânea pelo espaço vazio, pelas paredes nuas. Procuravam
conhecer-se, concentrados nos olhos, nos gestos, nas expressões, no timbre da voz, absorvendo tudo
um do outro, curiosos com a novidade da primeira vez. Cristiane interessava-se pelo trabalho dele,
fazia perguntas, João Pedro respondia sem esforço, era o seu tema preferido. Depois, quis saber
também como era a vida de hospedeira.
— Aborrecida — lamentou-se Cristiane, fazendo beicinho. — Ao fim de um tempo, as cidades são
todas iguais e passamos muito tempo enfiados em hotéis à espera do voo de regresso. — Mas não era
assim tão mau, porque não se calou mais a descrever lugares fantásticos e situações divertidas, e via-
se na sua cara satisfeita que adorava aquela vida e não a trocaria por nenhuma outra. E João Pedro,
que não viajava, não conhecia nada, ouvia-a fascinado, bebendo as aventuras que ela relatava com
secreta admiração, com um brilho nos olhos extasiado, considerando-a já uma mulher extraordinária.
— Só andei de avião uma vez — confessou.
Cristiane abriu muito os olhos e a boca, escandalizada, alardeando um espanto divertido.
— Uma veeez?! — esganiçou-se toda, atirando a cabeça para trás e uma gargalhada para o ar.
— Eu sei, é uma vergonha — disse.
— Não é nada — replicou ela, cortando o ar com a mão, para a frente, fazendo lembrar a patada de
uma gata. — Aonde foi?
— A Paris, na minha lua-de-mel.
— Ah, Paris, j’adore Paris! — exclamou, muito teatral.
O dia foi caindo sem pressa. Cristiane levantou-se, ele disse:
— Bem, vou andando.
— Não vai nada! — reclamou ela, alegremente. — Deixe-se estar. Faz-me companhia.
Foi lá dentro, trouxe duas cervejas frescas, passou-lhe uma garrafa aberta para a mão, deu um gole