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Filipe voltou para a cama, apagou a luz, permaneceu de olhos abertos,
espantado numa irremediável insônia, até se habituar à claridade soturna do
quarto, sentindo o pesado desalento dos quartos de hotel quando estamos
sozinhos. Porventura, essa solidão e a circunstância pouco ponderada de se
encontrar passando os seus cinquenta anos em Nova York, obedecendo a um
impulso romântico, sublinhavam o desamparo que lhe tirava o sono. Mas
Filipe era um homem otimista e razoável e de modo algum atravessara os
últimos anos afogado numa tristeza inconsolável. Compreendera que não se
podia arrancar o amor de alguém que não o sentisse ou, por qualquer motivo
decisivo, preferisse abafá-lo a favor, quiçá, de uma paz de espírito ou de um
conforto mais imediato, de uma felicidade menos exigente, qualquer coisa.
Por conseguinte, teria sido um disparate desistir de ser feliz por ceder a uma
decepção, a um desgosto.
Por mais dolorosa que fosse a separação, recordava com saudade cada
momento com Isabel e não se arrependia nem por um segundo de ter dado
tudo por ela, de ter procurado fazer tudo por ela – isto é, admitindo que assim
fora, pois Isabel talvez não pensasse o mesmo. A quente, Filipe talvez tivesse
sentido que lhe dera mais de si, do que o contrário. Parecia-lhe que Isabel era
muito concentrada em si própria, sempre tão preocupada com os seus
problemas que, normalmente, não havia espaço para falarem dele. Em
contrapartida, Isabel queixava-se de Filipe não querer falar da vida dele, dos
seus problemas, e ele respondia-lhe que não falava, simplesmente, porque não
os tinha.
Não se sentira revoltado com ela nem com o mundo por este não lhe dar
tanto quanto ele desejava. Na ocasião, afundou-se numa profunda tristeza,
mas pensava muito pragmaticamente que, com o tempo, haveria de esquecer
Isabel e, então, ela seria só um pontinho na sua vida, uma recordação antiga,
uma nostalgia sem importância. E assim foi, ao longo dos anos subsequentes.
Ou melhor, ele fizera com que assim fosse. Não pensara nela, não despendera
um minuto do seu tempo a decompor o passado. As coisas são como são e
não adiantava analisá-las até à exaustão, procurar descobrir obsessivamente
onde falhara. Provavelmente, não poderia ter feito nada melhor, ou, ainda que
pudesse, que tivesse feito melhor, no fim o resultado não teria sido o mesmo?
Por isso, seguira em frente e não ficara agarrado ao passado. Mas de tempos
em tempos tinha, como lhe chamar?, uma recaída. De tempos em tempos,