dava consigo suspenso numa memória triste, num inconfessável
desapontamento, numa frustração por não ser dono e senhor da sua vida e não
poder dizer “eu decido o meu destino independentemente das circunstâncias”.
Naquele caso, não dependera só dele. Acontecia-lhe isto se entrava num
restaurante onde costumava almoçar com Isabel, se dobrava a esquina onde
antes se encontravam, se passava na rua dela, pela casa dela, e tomava
consciência de viverem na mesma cidade, tão perto um do outro, e, ao mesmo
tempo, em planetas diferentes.
Já depois de terem se separado e de terem deixado de se ver, Filipe e Isabel
mantiveram-se em contato por um breve período e ele não desistiu dela.
Procurava uma solução, tentava fazê-la ver que, se ambos quisessem e se
esforçassem, era possível ficarem juntos. Filipe estava disposto a divorciar-se.
Nem se surpreenderia se Patrícia não ficasse particularmente desgostosa por
ele sair de casa – embora essa sua percepção pudesse estar corrompida por
uma certa esperança de acabar o casamento com, digamos, a aquiescência
dela, sem dramas, sem dor, como se tal fosse possível. Um homem tem a sua
vida interior, os seus silêncios misteriosos, o seu isolamento, que podem ser
confundidos com desinteresse. Uma mulher menos paciente, emotiva, pode
sentir-se rejeitada e ofendida, já uma mulher mais intuitiva consegue ser
tolerante e passar por cima dessa idiossincrasia masculina. Patrícia geria com
parcimônia as ausências de Filipe do casamento deles porque o amava, não
por indiferença, e, definitivamente, não queria o divórcio.
Um homem apaixonado é uma bomba-relógio. Filipe tinha consciência
disso, tinha a percepção do quanto era capaz de relativizar agora os princípios
incorruptíveis de outrora, de como se dispunha a maleabilizar a sua vida para
afastar os obstáculos impossíveis que o impediam de ficar com Isabel.
Reconhecia um certo desespero na sua atitude, uma determinação invulgar,
uma vontade feroz de fazer qualquer coisa para não perdê-la. Perguntava-se,
“ela vale isso tudo? Ela merece tanto?” E a resposta era invariavelmente
“sim”.
Filipe chegou a confrontar Patrícia com o embaraço que se tornara o
casamento deles. Tinham horários diferentes, cruzavam-se em casa, às vezes
cuidavam das crianças juntos. Melhor seria se se divorciassem, disse, como se
fosse só um desabafo, um estado de espírito. Patrícia parou o que fazia,
levantou a cabeça, perscrutou-lhe os olhos, a expressão, os sinais de perigo no
seu rosto comprometido.