28 • Público • Quinta-feira, 19 de Setembro de 2019
MUNDO
O ex-presidente do conselho de
administração do Fundo Soberano
de Angola, José Filomeno dos Santos,
vai mesmo começar a ser julgado no
dia 25 de Setembro, embora já não
por associação criminosa, nem por
falsiÆcação de títulos de crédito, as
duas acusações retiradas pelos juízes
do Tribunal Supremo, dando razão
à argumentação da defesa. Mesmo
assim, tem de se defender em tribu-
nal das acusações de burla por
defraudação, tráÆco de inÇuência e
branqueamento de capitais.
Filomeno dos Santos diz-se “vítima
de embuste” por parte de dois
estrangeiros que o Æzeram acreditar
num projecto de criação de um fun-
do estratégico para captar divisas e
que apenas se limitou a encaminhar
o projecto para o pai, o então Presi-
dente José Eduardo dos Santos. E
sendo o pai o chefe de Estado, “a pro-
núncia viola o princípio da legalida-
de” porque “transformou um acto
político-administrativo em crime”.
Estes e outros argumentos cons-
tam do recurso apresentado pela
defesa de Filomeno dos Santos em
Fevereiro e a que o PÚBLICO teve
agora acesso, bem como ao acórdão
da 2.ª Secção da Câmara Criminal
do Tribunal Supremo, que acabou
por aceitar parcialmente os argu-
mentos da defesa.
Apesar do advogado de “Zenu”
dos Santos (como é conhecido em
Angola), Ildefonso Manico, alegar
que, “em condições normais, o
arguido nunca deveria ter sido acu-
sado nem pronunciado”, o Tribunal
Supremo manteve-se Ærme na exis-
tência de provas testemunhais e
documentais que justiÆcam a reali-
zação do julgamento.
AÆrma a defesa que “os actos
administrativos e de soberania que
foram transformados em processo-
crime enquadram-se nas competên-
cias do Presidente da República
enquanto titular do poder executi-
vo”. Para o advogado, é simples, “o
processo é juridicamente inexisten-
te” porque tudo foi autorizado pelo
então chefe de Estado.
“Estamos perante um processo-
crime juridicamente inexistente por
violar, igualmente, o artigo 127.º da
Constituição da República, porque
com o presente processo indirecta-
mente se sindicam os actos adminis-
trativos e soberanos do ex-Presiden-
te da República e titular do poder
executivo”, lê-se logo no número oito
da questão prévia das alegações.
“Nestes termos, acordam os desta
câmara em julgar parcialmente pro-
cedentes os recursos interpostos e,
consequentemente, não pronunciar
os réus pela prática dos crimes de
associação criminosa e falsiÆcação
de títulos de crédito, mantendo-se
no mais o despacho recorrido”, refe-
rente ao processo n.º 002/18 em
que, além de “Zenu” dos Santos,
também constam como réus o ex-
governador do Banco Nacional de
Angola, Valter Filipe, e António
Samalia Bule Manuel, director do
departamento de Gestão de Reser-
vas do banco central angolano.
500 milhões de dólares
“Zenu” dos Santos foi constituído
arguido em Março de 2018 pela
transferência ilegal de 500 milhões
de dólares do Fundo Soberano.
Dinheiro que acabaria por ser recu-
perado um mês mais tarde, pelo
Ministério das Finanças, tal como foi
conÆrmado, na altura, em comuni-
cado, pela instituição. Bem como os
quase 25 milhões de dólares gastos
pelo Estado angolano com os servi-
ços dos advogados ingleses, pagos
pelo co-arguido Jorge Pontes Sebas-
tião, que servira de intermediário no
negócio.
Aliás, a recuperação de todo o
dinheiro pelo Estado angolano é
uma das razões apontadas para
arquivar o processo pela defesa de
“Zenu” dos Santos, que esteve pre-
so preventivamente e foi libertado
Julgamento de Filomeno dos
Santos começa a 25 de Setembro
O Supremo retirou a acusação de
associação criminosa e falsiÄcação, mas
manteve o Älho do ex-Presidente como
réu. É julgado por burla, tráÄco de
inÅuência e branqueamento de capitais
Angola
António Rodrigues
Q
uem não será julgado pelo
seu envolvimento nos
negócios com o Fundo
Soberano de Angola é o
empresário suíço-angolano
Jean-Claude Bastos de Morais,
do grupo Quantum Global, que
também foi preso
preventivamente com José
Filomeno dos Santos em
Setembro e foi libertado
também em Março, mas dois
dias antes do filho do
ex-Presidente. Acusado de
associação criminosa,
recebimento indevido de
vantagem, corrupção e
participação económica em
negócios, foi libertado depois
de ter devolvido todos os
activos financeiros e
não-financeiros do Fundo
Soberano que estavam a ser
geridos pelas empresas do seu
grupo, como referiu na altura a
Procuradoria-Geral da
República angolana.
Cerca de 2350 milhões de
dólares domiciliados em
bancos do Reino Unido e da
Maurícia e todo o património
imobiliário — entre hotéis,
fazendas, minas, em Angola e
no estrangeiro —, no valor de
mil milhões de dólares, foi
então recuperado pelo Estado
angolano.
“Por conseguinte, o
Ministério Público decidiu não
mais prosseguir criminalmente
contra o senhor Jean-Claude
Bastos de Morais, tendo-lhe
sido restituída a liberdade”,
referia então o comunicado da
procuradoria. A.R.
Suspeito suíço libertado