30 • Público • Segunda-feira, 9 de Setembro de 2019
MUNDO
Meteorologistas avisados
para não contradizerem Trump
JONATHAN ERNST/REUTERS
No dia 1 de Setembro uma directiva
interna da Administração Atmosféri-
ca e Oceânica Nacional dos EUA
(NOAA) foi enviada a todos os funcio-
nários dos serviços meteorológicos
dos Estados Unidos. Tinham passado
poucas horas depois de o Presidente
Donald Trump ter aÆrmado, sem
qualquer prova, que o estado do Ala-
bama iria ser “atingido com mais for-
ça do que previamente tinha sido
antecipado” pelo furacão Dorian.
A directiva obrigava os meteoro-
logistas a “usar apenas as previsões
do National Hurricane Center se sur-
girem questões por causa de posts
nas redes sociais que se tornaram
notícia esta tarde”. Também lhes foi
dito para não darem “qualquer opi-
nião” sobre o assunto, de acordo
com o email a que o Washington Post
teve acesso.
Um meteorologista da NOAA, que
falou sob condição de anonimato
por medo de represálias, aÆrmou
que a mensagem, percebida interna-
mente como referindo-se a Trump,
chegou logo depois de o serviço de
meteorologia de Birmingham, Ala-
bama, ter corrigido o Presidente dos
EUA com um tweet que aÆrmava
taxativamente que o Alabama “NÃO
sofrerá qualquer impacto do fura-
cão”. Os serviços meteorológicos de
Birmingham escreveram o tweet
depois de terem sido inundados de
chamadas telefónicas de cidadãos do
Alabama preocupados depois da
mensagem de Trump.
A NOAA enviou a 4 de Setembro
outra mensagem, avisando os cientis-
tas e os meteorologistas para não
falarem, depois de Trump mostrar
um mapa de 29 de Agosto adulterado
à mão, com um círculo acrescentado
a marcador preto sobre o Alabama.
“É a primeira vez que me sinto
pressionado pela hierarquia para não
divulgar a verdadeira previsão”, disse
o meteorologista. “É difícil entender.
Uma das coisas que aprendemos é a
dissipar rumores imprecisos, que era
o que estava a acontecer — o que o
serviço do Alabama fez com o seu
administradora da NOAA no tempo
da presidência de Barack Obama.
A tempestade em torno das decla-
rações do Presidente não tem prece-
dentes na história da agência e amea-
ça politizar algo que os norte-ameri-
canos assumem como sendo
objectiva: a previsão meteorológica.
Um funcionário da NOAA, que
pediu para não ser identiÆcado para
poder falar francamente, contraria a
sugestão de que o comunicado apoias-
se o Presidente, garantindo que “não
há motivação política” por trás dele.
A direcção queria apenas esclarecer
a confusão e o administrador da
NOAA, Neil Jacobs, e a directora de
relações públicas, Julie Kay Roberts
— que tem experiência em gestão de
emergência e trabalhou na campanha
de Trump — estiveram envolvidos na
redacção do comunicado.
O mesmo funcionário refere que o
comunicado especiÆca o tweet de Bir-
mingham porque a previsão do fura-
cão da NOAA mostrava uma probabi-
lidade de 5% a 20% de ventos com
força de tempestade tropical atingi-
rem uma pequena parte do Alabama.
“Não é nada contra Birmingham,
za”, que os meteorologistas usam
para determinar as zonas mais prová-
veis de serem atingidas pela tempes-
tade. O Alabama também não apare-
cia nas previsões dos dias seguintes.
O director interino da NOAA infor-
mou o Presidente sobre o furacão
Dorian a 29 de Agosto, usando para
isso o cone de previsão que a Casa
Branca mais tarde adaptaria com um
marcador. O director do National
Hurricane Center actualizou o chefe
de Estado sobre a tempestade a 1 de
Setembro, pouco tempo antes do seu
tweet sobre o Alabama ameaçado.
Outras pessoas também falaram com
o Presidente sobre o furacão, incluin-
do o conselheiro de segurança nacio-
nal da Casa Branca, que não tem
conhecimentos meteorológicos para
interpretar as previsões.
“Se o Presidente tivesse sido infor-
mado por alguém que percebe as
previsões, nunca teria mencionado o
Alabama”, referiu o funcionário da
NOAA.
O comunicado da NOAA de sexta-
feira deixou os cientistas irados, que
temem que a Administração Trump
esteja a corroer a conÆança na pes-
quisa e nos dados.
“Deixa-me sem palavras que a lide-
rança ponha os sentimentos e o ego
[de Trump] acima da divulgação de
informação exacta sobre o tempo”,
disse Michael Halpern, vice-director
da União de Cientistas Preocupados.
“Se politizarmos a meteorologia o
que sobra para politizar? Estamos a
assistir a este tipo de pressão sobre os
cientistas em todo o Governo e é uma
tendência que vem aumentando.”
Em 2018, uma sondagem a cientis-
tas em 16 agências federais descobriu
uma cultura de medo e autocensura
numa Administração que descarta as
provas cientíÆcas, especialmente as
relacionadas com as alterações climá-
ticas, por conveniência política.
Uma das reacções mais fortes ao
comunicado da NOAA veio de David
Titley, antigo director de operações
da NOAA durante a Administração
Obama: “É, provavelmente, o dia
mais sombrio em termos de lideran-
ça. Não sei como é que voltarão a
olhar nos olhos as suas equipas.
Cobardia moral.” Exclusivo PÚBLI-
CO/The Washington Post
Agência de meteorologia dos EUA recebe directiva para não dar “qualquer opinião”, depois
de o Presidente ter sido corrigido publicamente por referir que o furacão Dorian atingiria o Alabama
Estados Unidos
Andrew Freedman, Colby
Itkowitz e Jason Samenow
tweet foi fazer uma previsão, exacta-
mente aquilo que é pago para fazer.”
Um porta-voz do Serviço Nacional
de Meteorologia (NWS) conÆrmou o
envio das mensagens, aÆrmando que
“a liderança do NWS enviou um guia
para as equipas no terreno de modo
a que eles (e toda a agência) pudes-
sem concentrar-se operacionalmen-
te no Dorian e noutras condições
meteorológicas graves sem qualquer
distracção”.
Na sexta-feira à tarde, a direcção da
NOAA voltou a enfurecer os cientistas
dentro e fora da agência ao emitir um
comunicado, atribuído a um porta-
voz não identiÆcado da agência,
apoiando as aÆrmações de Trump
sobre o Alabama e criticando os
meteorologistas de Birmingham por
falarem com certeza absoluta.
“Isto parece uma clássica ofuscação
de motivações políticas para justiÆcar
declarações imprecisas feitas pelo
chefe. É verdadeiramente triste ver
pessoas nomeadas politicamente a
porem em causa o fantástico trabalho
dos talentosos e dedicados funcioná-
rios de carreira da NOAA que salva
vidas”, aÆrmou Jane Lubchenco,
Se politizarmos
a meteorologia
o que sobra para
politizar? Estamos
a assistir a este tipo
de pressão sobre
os cientistas
Michael Halpern
União dos Cientistas Preocupados
temos de ter a certeza que as previ-
sões produzidas reÇectem a orienta-
ção probabilística”, explicou. No
entanto, esse tipo de ventos, entre 60
e 120 km/h, raramente causam mui-
tos danos ou exigem uma preparação
antecipada.
O comunicado da NOAA não faz
qualquer referência ao facto de, na
altura do tweet de Trump a dizer que
o Alabama estava em risco, o estado
não estar dentro do “cone de incerte-
Donald Trump mostrando o mapa com o círculo feito a marcador preto sobre o Alabama