6 de março de 2019 | 31
desse que está na mesa hoje. Isso porque
ogrande desafio de Bolsonaro e de sua
equipe é transformar uma proposta bem
desenhada no Ministério da Economia em
uma reforma aprovada pelo Congresso,
que costuma ser refratário a projetos que
impliquem desgaste com a população e,
consequentemente, perda de votos nas
eleições. “O problema para a aprovação
será político, pois há deputados que po-
dem votar contra a reforma, mesmo sendo
a favor do projeto”, diz o deputado federal
Capitão Augusto (PR-SP), recém-convida-
do para ocupar a vice-liderança do gover-
no na Câmara dos Deputados.
Por isso, a desidratação da reforma já
entrou nas contas de especialistas e insti-
tuições. A consultoria política americana
Eurasia avalia que a reforma capitaneada
pelo ministro da Economia, Paulo Guedes,
será aprovada, mas a economia fiscal cairá
para um valor entre 400 bilhões e 600 bi-
lhões de reais. “Para conquistar votos, o
governo terá de fazer concessões”, diz
Christopher Garman, diretor para as Amé-
ricas da Eurasia. O banco Itaú estima que
oimpacto fiscal será de 600 bilhões a 800
bilhões de reais, conta similar à feita pela
consultoria MB Associados. O Citibank
espera contenção da ordem de 500 bilhões
de reais. “É complicado quando parte do
mercado aceita de forma natural um im-
pacto de até 500 bilhões, pois uma econo-
mia dessa não trará grandes melhorias
para o país”, afirma Sérgio Vale, economis-
ta-chefe da MB Associados. Segundo Vale,
onecessário para o equilíbrio das contas
públicas é uma poupança de 800 bilhões
de reais nos próximos dez anos. “Se o valor
for inferior a 400 bilhões de reais, a eco-
nomia brasileira deverá voltar a flertar
com a recessão em três anos.”
A desidratação deve vir em alguns pon-
tos que levantaram polêmica imediata.
Um deles foi o referente às mudanças no
Benefício de Prestação Continuada. Atual-
mente, idosos a partir de 65 anos em situa-
ção de miséria (aqueles com renda média
familiar de até 250 reais) têm direito a re-
ceber um salário mínimo. Com a mudança,
apenas pessoas acima de 70 anos recebe-
riam um salário mínimo por mês. A popu-
lação de 60 a 69 anos nessas condições
levaria, no máximo, 400 reais. Outro pon-
to que pode ser sacrificado é o relativo à
aposentadoria rural, que igualou as idades
de direito ao benefício de homens e mu-
lheres para 60 anos (antes a pensão era
concedida aos 55 anos às mulheres), com
tempo mínimo de contribuição para a Pre-
vidência de 20 anos. Se esses itens forem
diluídos, e se diminuir o tempo mínimo de
contribuição, a reforma perderá 256 bi-
lhões da economia prevista, segundo cál-
culos do Itaú. O tempo de transição da
reforma — estabelecido em dez anos, me-
tade do que era proposto na reforma do
governo Temer — também pode aumentar
para angariar apoiadores. Para completar,
deve haver grande pressão de servidores
públicos por causa de mudanças em seu
regime de aposentadoria. Uma delas é a
tributação progressiva, que pode chegar a
22% sobre os salários. Associações de ser-
vidores públicos ameaçam ir à Justiça
questionando a constitucionalidade da
reforma. “Não se pode admitir que uma
proposta, a pretexto de atenuar os efeitos
da crise fiscal, demonize os servidores pú-
blicos ”, diz Jayme de Oliveira, presidente
da Associação de Magistrados Brasileiros.
Na briga pela aprovação da reforma, o
governo tem de reforçar duas estratégias:
a de comunicação e a de negociação polí-
tica. A primeira tem como figura-chave o
próprio presidente da República. Até ago-
ra, o engajamento de Bolsonaro se resumiu
a levar a proposta ao Congresso e ao pro-
nunciamento de 2 minutos em cadeia na-
cional. De lá para cá, pelo menos até 25 de
fevereiro, quando esta edição foi fechada,
não houve nova menção do presidente à
A
S DISCUSSÕES REFERENTES À REFOR-
MA DA PREVIDÊNCIA vivem um pa-
radoxo. A Proposta de Emenda à
Constituição apresentada pelo
governo de Jair Bolsonaro ao Congresso
em fevereiro foi recebida com elogios por
especialistas e até mesmo por congressis-
tas. Nela, há medidas que atacam privilé-
gios nas aposentadorias, como o aumento
progressivo da contribuição de servidores
públicos que ganham mais, e itens que
trazem o potencial de economizar quase
1,2 trilhão de reais para o Estado na próxi-
ma década. Mas, apesar da ambição ini-
cial, é quase certo que o projeto que che-
gará na reta final será muito diferente
É ESPERADA UMA DESIDRATAÇÃO DO
PROJETO DE REFORMA E UM IMPACTO
LUIS MACEDO/AGÊNCIA BRASILFISCAL DE 600 BILHÕES DE REAIS