Folha de São Paulo - 23.08.2019

(Ron) #1

aeee


mercado


A22 Sexta-Feira,23DeagoStoDe2 019


Fatosjánão adiantam mais.
Quer-se ouviravoz de JairBol-
sonaro, os queodeiameosque
amam. Já poucoimportasa-
ber ascausaseosmotivos
dos incêndiosedos desmata-


mentos horrendosdemeados
deste ano na Amazônia.
Antes mesmo de incendiar a
floresta,opresidentejáquei-
mouofilme do Brasil, dado
ocomportamentodemente


de seugoverno deextrema di-
reita.Aolongodestasemana,
Bolsonarosetornouumsuces-
so mundialdefaltadeestima,
de desprezoouderaiva.


Em poucos meses, em espe-
cial nas últimas semanas, der-
rubou duasdécadas de me-
lhorias na imageminterna-
cional do Brasil no que diz
respeitoaoambiente.
Eraumprogressobaseado
emfatoscomodiminuição do
ritmo de desmatamento,leis
de proteção, adesãodepar-
te das empresas rurais àsra-
zões ambientais, políticas soci-
oeconômicasediplomacia in-
teligente.Hádecerto promes-
sa de devastação detodoses-
ses avanços.Odesmatamento
darazãoedas instituições já

começava,assimcomoháin-
centivoaoespíritodedestrui-
çãodesdeacampanhaeleito-
ral. MasBolsonaroadiantou-
se àruína que alardeia ou pre-
ga,comsuaspalavras de pro-
feta do apocalipse darazão.
Líderespolíticos europeus,
de organizações internacio-
nais, de ONGscomgrande su-
cesso depúblicoetuítesem
massapelomundo inteiroes-
palhavamoslogan “nossacasa
estáqueimando”.Nossacasa,
oplaneta,aAmazônia.
Desdegenteeinstituições
sérias atépessoas ingênuas

ou desinformadasque se ocu-
pam da florestacomo uma es-
pécie de pandavegetalata-
cavamoautodenominado
Nerodas matas.
Os indícios de problemas sé-
riosnaAmazôniatornaram-
se escândalomundialporque
Bolsonaroéumpresidenteque
“prendeearrebenta”osfatos e
odebate racional, porquecau-
sa ultraje, multiplicaascrises.
Não se sabe, por ora,ota-
manho da ruína político-di-
plomáticaquevaicausar,
na prática, masjácontribui
paraformaroufortalecer

coalizões que podem prejudi-
carosinteresses brasileiros.
Protecionistas, ambien-
talistas, apenasgenteadep-
tada democracia ou derela-
ções civilizadas nasrelações
internacionais podemfazer
uma frente comum.
Aliderançacentristade
AlemanhaeFrançanãovai
desprezaroimpactopolítico
deBolsonarosobreosparti-
dos“verdes”,que crescem em
seus países.Areação ao acor-
do de MercosuleUnião Euro-
peia ganhareforço. Opesode
um paístresloucadoeselva-
gememfóruns internacionais
tendeadiminuir. Osmeios de
comunicação alemães mais
importantes chegamapedir
sançõescontraoBrasil, que
correoriscode setornar um
páriamundialporque assim
se comportaseugoverno.
Opresidentetorna-se um pá-
riamoraleintelectual em gran-
despartesdomundocivilizado

porqueéumsucesso no que se
propõeafazer.Istoé,despre-
zar dados, “especialistasees-
tudiosos”,instituições, acordos
políticosedebatesracionais;
insultarpaíses amigos;calu-
niar“isentões” e“esquerda”,
em sumatodos aqueles que
não aderem ao líder,talco-
mo acabadefazercomONGs
ambientais, governadores
do Norteepaíses amigos.
Acrisediplomáticaapenas
acirraoespíritodecombate
eodesprezodesvairado pe-
lo pragmatismo mínimo.Seu
governo acusa deconspiração
“esquerdista”amesmaUnião
Europeia que acaba de assi-
nar um acordocomoMerco-
sul. Nadafazomenorsentido.
Bolsonaroarrastouaima-
gemdoBrasil paraesse seu
torvelinhoinflamado de des-
razão odienta. Nossacasa, o
paísinteiro, estáqueimando
porsuacausa.
[email protected]

Fatosjánão importamnodebate da amazônia;Brasil setorna um páriamundial



  • ViniciusTorresFreire


Jornalista,foisecretário deredação daFolha.Émestreemadministração pública pelaUniversidade Harvard(eUa)


Nossacasa estáqueimando


entrevista



  • AnnaVirginiaBalloussier


RiodeJaneiRoPaulRomer,
63 ,teveumanoetantoem
2018 .Emjaneiro, renunciou
aocargodeeconomista-che-
fedoBancoMundialapós
uma série deatritoscoma
instituição.
Ele saiu dias depois de dar
uma entrevistanaqual suge-
riu queobancotevemotiva-
ções políticas aorebaixar o
Chile,àépocasobguarda da
socialista Michelle Bachelet,
noranking decompetitivida-
de de nações paranegócios.
Masasfricções entreos
doisladoscomeçaraman-
tes, quandoRomerteve pro-
blemascomotipo deescri-
ta usado pela instituição que
dá créditoapaísesemde-
senvolvimento.


“A razão pela qual fui críti-
cosobre aescritavagaépor
verali um jeitodepessoas di-
zeremcoisas que não eram
verdade”,dissenaquarta( 21 ),
após palestranonoRio.
Fato éque, no mesmo ano
em que deixouoBancoMun-
dial após apenas 15 meses,o
professordaUniversidade de
NovaYork eautoproclamado
nerd descobriu queganhou a
maior láurea em seucampo.
Naquelamanhã, acordou
aentão namorada, profes-
sorade literaturafrancesa
na Universidade Columbia,
esussurrou: “Querida, en-
tão, acabeideganharoNo-
bel de Economia”.
Dois dias depois, 10 de outu-
bro, casoueaceitouoprêmio.

*
Após sua passagem noBan-
co Mundial,osr. deuaenten-

der queainstituição pode-
ria serideológica em algum
grauetambém criticoualin-
guagem dela.Nãodiriaque
éideológico. OBancoMundi-
al temuma funçãodiplomá-
tica,e,quando se engaja na
diplomacia, àsvezesgosta-
se de servago,àsvezesgos-
ta-se deconvergir numa fic-
çãoconveniente.Éassim que
adiplomacia funciona, mas
nãoaciência.
Africçãoque tivecom o
bancofoi esta: quandovocê
dá uma declaração sobreum
fato,temquefazê-lo defor-
ma claraetem que serverda-
de.Arazãopelaqual fuitão
críticosobreaescritavagaé
porverali um jeitodepes-
soas dizeremcoisas que não
eramverdade.

Algumexemplo?Olhaalin-
guagem que advogados usam

otempotodo.Pode sugerir
algo, mas, seforvagoobas-
tante, se alguémodesafia,
pode escapar disso.Insistia
em que algumas questões ti-
nhamcomorespostasim ou
não,falsoouverdadeiro. Não
dá parausar um montedepa-
lavras paraesconder algo. É
apenas fraude.

Osr. ganhouoNobelempar-
ceriacom Willian Nordhaus,
que estuda asconsequências
econômicas da crise climá-
tica.Aascensãodepopulis-
tascomoDonaldTrumpeJa-
ir Bolsonaro, comauxiliares
que negamoaquecimento
global, pode ser um freio na
economia?Uma de minhas
mensagenséqueverdade e
honestidadesão muitoim-
portantes. Mas, seacomuni-
dade científica descobreque
as pessoas nãoconfiam nela,

PaulRomer em entrevistaapós palestrano1ºPrêmio CBMM de CiênciaeTecnologia, no Rio Ricardo Borges/Folhapress


PaulRomer


Expressar-se de


forma vaga éumjeito


de dizer coisas falsas


Nobel deeconomia, que criticouescrita do BancoMundial quando


trabalhava na instituição,diz que usar um montedepalavraséfraude


Paul
romer,63

Professor da
Universidade
de NovaYork,
venceuoNo-
bel deecono-
mia em 2018,
por sua pes-
quisa sobre
as condições
quefomen-
tamainova-
çãotecnoló-
gica.Foieco-
nomista-che-
fe do Banco
Mundial en-
treoutubro
de 2016eja-
neirodoano
passado.Deu
aulas nas
universida-
des Stanford
edeChicago
eCalifórnia

éparcialmentenosso trabalho
reconstruir essaconfiança.
Emvezdesóficarcomrai-
va ou criticarquem nos criti-
ca,precisamos nos pergun-
tar: oque devemosfazerpara
ganhar devoltaoapreçodes-
sa gente? Há muitas pessoas
que nãoconfiam nos cientis-
tasquando dizemos que asva-
cinas protegem suas crianças.

Epor que tantosperderam a
confiança na ciência?Não
acho que saibamos. Àsve-
zesaspessoas se sentemco-
mo se não estivéssemoscon-
tandoaverdade, masalgoque
as fariafazeroquegostaría-
mos quefizessem.Que as es-
tivéssemostentando manipu-
lar paraatingir alguma meta.

Osr. mencionou na palestra
os interesses da indústria do
cigarro,porexemplo. Isso
[deturpações criadas pelo
meio paravender mais] ob-
viamentenãoveio da ciên-
cia. Mas essas empresas pa-
garam, defato,paraalguns ci-
entistas, que acabaram sen-
do úteisaelas.
Porexemplo, os direitodos
animais.Aspessoas podem
temer que dizemosalgoso-
brebiologia pois queremos
convencê-lasde queelas de-
veriam trataranimais defor-
ma diferente.Precisamos as-
segurarque, sefalamos“isso
éoque sabemos sobreaexpe-
riência da dor num animal”,
não achem que estamosten-
tando enganá-las parache-
garaumresultado político.
Temos que dizer: issoéo
quesabemos,evocês têmde
decidiroquefazercom isso.
Omais importanteéenten-
der queaciência não deve-
riafazercom que ninguém se
sentisse que estamos olhan-
do de cima parabaixo, tra-
tando-oscomo criança. Eles
sãooseleitores, elestomam
as decisões.Nossa missão é
lhes darinformação.

Há umavisão parecidacom
amídia, vistacomceticismo
pormuitos.Alguns dos no-
vosveículos de mídia no mun-
do digital não estão ajudan-
do.Queroprotegerminha
reputação.Sealguém puder
dizer algoonline,enão sei
quem é, essa pessoaélivre
parainventar,nãotemuma
reputação,éapenas anôni-
ma.Essemundodoanoni-
mato nãoébom.

As redes sociais são heróis ou
vilões paraaeconomia?Elas
são boas aoconectaromun-
do.Há, contudo,razõespara
se preocuparcomopapel que
têmtido nas nossas vidas.
Aformacomoamídiaso-
cialtemencorajadooano-
nimatoédanosa. Pesquisa-
doresconcordam quecri-
anças pequenas não estão
aprendendoainteragirumas
comasoutrascomo huma-
nos. Comoterempatia,co-
mo lutar,comosereconcili-
ar depois de uma briga.Étu-
dovoltadoaapresentar uma
imagem numatela.

Osr. critica quem defende
que, paraprotegeroambien-
te,épreciso pararde crescer
economicamente.Qualare-
ceita?Crescimentopode sig-
nificarexpandir emvalores,
não quer dizertermais ener-
gia, material, objetos. Seuce-
lular podetocar músicaagora
commuitomenos eletricida-
de do queoamplificador que
meupai usava.Como crescer
sem machucaranatureza?
Economistastêm alguns pal-
pites.Precisamostaxaroque
aprejudica. Criar incentivos
parausartecnologias limpas.

Em 2008 ,osr. veio comuma
ideiapolêmica:cidades que
poderiam sergovernadas
por outrospaíses que não
oseu,atémesmo empresas.
Ainda lhe parecemumaboa
ideia? Bem,comecemos
comfatos. Segundoo[ins-
titutodepesquisa] Gallup,
750 milhões de pessoas no
mundo afirmam quegosta-
riam de deixaropaís onde
vivem.Éotamanhodopro-
blema que estamos enfren-
tando.Minha motivação: não
temos umarespostaboa pa-
ra apontar ondeessecontin-
gentepoderia ir.

Temos algopróximo dessas
cidades hoje? HongKong
sobcontrole dos britânicos
eraumexemplo [voltouafi-
carsobguarda chinesa em
1997 ].Nãotemos muitos
exemplos desde então,mas
podemosreplicar essaexpe-
riência. Só nãovale usarafor-
ça:não podemos tirar uma
terraàforçadeoutra nação.

Há quem defenda queaAma-
zônia seja administrada por
algocomo umacoalização de
países quegarantisse sua pre-
servação.Isso lhe soa bem?É
complicado.Vocêprecisa pen-
sar no lado ambiental.Aflo-
restaévaliosa[paratodos].

Osr. éumentusiasta da inte-
ligência artificial.Nãoéoti-
mista afirmar que haverá em-
pregoparatodosnofuturo,
na medida em queaautoma-
çãoavança?Depende de nós.
Agorafalandocomoumelei-
tor. Temos quedecidirse que-
remos criarempregos parato-
dos,emvez de trataroassun-
to como algo fora docontrole.

Osr. defendeu na suafala
no prêmio que deveria ser
maisfácil demitir pessoas
que,porexemplo, chegam
sempreatrasadasnotraba-
lho.Nãodefendi...Disse que,
se alguém estánum mercado
de trabalho em que pode ser
dispensado se chegar tarde,
essa pode ser uma manei-
ra melhor de aprenderaser
pontual.Eisso pode ser me-
lhor paraotrabalhador, pois
ganharesponsabilidade.Às
vezesademissão ouadisci-
plinaéumjeitodeaprender.

Éverdadequeosr. casou no
mesmo diaemqueganhou
oNobel? Me disseram que
fuioúnico[risos].
Free download pdf