Folha de São Paulo - 21.08.2019

(Steven Felgate) #1

aeee


opinião


A4 Quarta-Feira, 21 DeagostoDe 2019

UMJORNALASERVIÇO DO BRASIL


a


Publicado desde 1921–Propriedade da EmpresaFolha da Manhã S.A.

PresidenteLuizFrias
diretorderedaçãoSérgio Dávila
suPerintendentesAntonio ManuelTeixeiraMendeseJudith Brito
Conselho editorialRogério CezardeCerqueiraLeite,
Marcelo Coelho,Ana Estela de SousaPinto, Cláudia Collucci,
CleusaTurra, Hélio Schwartsman, Heloísa Helvécia, MônicaBergamo,
Patrícia Campos Mello,Suzana Singer,Vinicius Mota,
AntonioManuelTeixeiraMendes, LuizFriaseSérgio Dávila(secretário)
diretoria-exeCutivaMarcelo Benez(comercial),Marcelo Machado
Gonçalves(financeiro)eEduardo Alcaro(planejamentoenovos negócios)

[email protected]

editoriais


SequestronoRio


Desgoverno italiano


Atéondesepodeverificar, foicor-
reta aaçãodaPolícia Militarflumi-
nense que encerrouosequestro
de um ônibus na ponteRio-Nite-
rói, nestaterça-feira( 20 ).
Atiradores de elitemataramose-
questrador,quemanteve reféns o
motoristae 38 passageirospor cer-
cade trêshorasemeia, no início
da manhã.Tentativasde negocia-
çãohaviamresultadona liberta-
çãodequatromulheresedois ho-
mens, mas permaneciamosriscos
paraasdemais vítimas.
Relatou-se que WillianAugusto
da Silva, 20 ,brandiauma pistola
—que, segundosesoubedepois,
eradebrinquedo—edemonstra-
vaque poderia incendiaroveícu-
lo.Portavaaindaumafaca,uma
arma que dá choqueselétricos e
recipientescomgasolina.
Fazia menções, de acordocom
passageiros, ao trágicoepisódio
conhecidocomoodoônibus 174 ,
ocorrido no Rio deJaneiroemju-
nhode 2000 ,quando umaaçãode-
sastrada da PMresultou na morte
de umarefémpelosequestrador
—que, por suavez, morreuasfi-
xiado numaviatura,tendoos po-
liciais presentessidoinocentados.
Destavez,odesfecho traz sem
dúvida alíviopela ausência de mor-
toseferidos entreoscidadãosque
dependeram da perícia edapru-
dência dasforças de segurança.
Justifica-se,aomenoscomoque
seconhecedas circunstâncias, o
apoiodasautoridades aprofissio-
nais queagiram sob enormeten-

são numa situaçãocomplexa.
Asditasautoridades, entretan-
to,desperdiçaramachancedefa-
zê-locomequilíbrioeresponsabi-
lidade,parasurpresa de ninguém.
Antesmesmodo desenlacedo
caso,opresidenteJairBolsonaro
(PSL) já defendia de públicoouso
deatiradoresdeelite: ”Nãotemque
terpena”. Lamentavaainda as acu-
sações aos policiaisenvolvidosna
mortedosequestradordoônibus
174 ,“essevagabundo”.
Já ogovernador Wilson Witzel
(PSC) chegouàponte de helicóp-
tero,doqual desceucomgestos
futebolísticosdecomemoração.
Aofalar,tratoudedefender sua
tese bárbarasegundoaqual por-
tadores de fuzis devemser abati-
dos sem maior questionamento.
Acarona nãoevidencia apenas
ooportunismo políticovulgarde
doisgovernantes que poucotêm
de positivoaapresentaratéomo-
mento. BolsonaroeWitzel são so-
bretudo propagadores deum dis-
curso embrutecido que se busca
passar,sem amparoemevidências,
comoreceitadecombate ao crime.
Desnecessário apontar os peri-
gosdetal retóricanum estado em
queonúmerodemortosem ações
policiais aumentou 15 %noprimei-
ro semestredesteano,paraassus-
tadores 881 —ocorrespondentea
29 %dototal decasosde letalida-
de violenta registrados.
Trata-se de matançaque,àdife-
rençadaoperação destaterça,não
se dá diantedas câmerasdeTV.

Arenúncia do primeiro-ministro
da Itália,GiuseppeConte, nesta
terça( 20 ), abriu umcapítulo novo
eincertonacrise políticadopaís.
Oencerramento precocedogo-
verno,formadoháapenas 14 me-
ses,nãoresultou de algumavanço
da oposição,mas de manobraopor-
tunistadeumdeseus principais
integrantes, ovice-premiêemi-
nistrodoInterior, MatteoSalvini.
Líder da Liga,partido de direi-
taradical nacionalistaquecom-
punhaacoalizãogovernista com
oMovimento 5 Estrelas,autopro-
clamadoantissistema,Salvini apre-
sentou ao Senado no último dia 9
de agostoumamoção dedescon-
fiançacontraConte—um neófi-
to na vida públicaque não integra
nenhuma das duas agremiações.
Comojustificativa,oministro
declarou queacoalizãotornara-se
insustentável edefendeuaconvo-
caçãodenovas eleições.
Salvini busca,comacartada, sur-
faremsua elevada popularidade
paraaumentaraparticipação de
seu partido noParlamento—on-
deéhojeasegundaforça, atrásdo
5 Estrelas—etornar-se primeiro-
ministro.Pesquisas mostram que a
suaintenção devoto ronda os 36 %,
percentual quefazdeleopolítico
mais popular da Itália.
Seusplanos,entretanto, podem
acabar frustrados pelocomplicado
efragmentadojogodeforçasden-

trodoLegislativoitaliano. Atarefa
de organizarasucessão de Conte
cabe, agora, ao presidentedaRe-
pública, Sergio Mattarella,figura
que, na organizaçãoinstitucional
do país,não participa dogoverno.
Oprimeiropassoéaconsultaàs
siglascomrepresentaçãoparla-
mentarcomvistasaformaruma
nova coalizão.Aponta-se que o 5
EstrelaseoPartidoDemocrático,
decentro-esquerda, emboraad-
versáriosnopassado,poderiamse
juntar paraformarmaioriaebar-
raraascensão deSalvini.
No casodeas tratativasfalha-
rem, um novopleitoseráconvo-
cado,provavelmenteemoutubro
ounovembro.Seisso vieraocor-
rer, seráaprimeiravez desdeofim
da Segunda GuerraemqueaItá-
liarealizaráuma eleiçãonessepe-
ríodo, tradicionalmentededicada
àelaboração do Orçamento.
Dadaafrágil situação fiscal do
país,ondeadívida públicacorres-
pondeamaisde 130 %doProduto
Interno Bruto,essatarefa nãose-
rá dasmais simples. Como se não
bastasse,ocrescimento econômi-
co desteano deve ser nulo,segun-
do as previsões,eodesempregoen-
treosjovenssemostracrescente.
Aatual instabilidade política cer-
tamentenãocolaboraparamelho-
raressecenário—epodeacabar
fazendo mais alguns buracos nas
precárias finanças italianas.

BolsonaroeWitzelaproveitamação bem-sucedida


da PM parareforçar seu discursotruculentoe


populistaque incentivaaletalidadepolicial


SãoPaulo“Ouvou ser um presiden-
te banana?”,perguntou-seJairBol-
sonaronocurso de uma das mui-
taspolêmicasemquesemeteure-
centemente.Odilema presidencial
épertinenteemereceinvestigação.
Em seus oitomeses degoverno,
Bolsonaronão poupouopaís de me-
didas nem de declaraçõescontro-
versas.Emvárias delas mostrou-se
realmenteumvalentão.Foi ocaso
dosdecretossobrearmas, sobrera-
dares develocidade, do esvaziamen-
to deconselhoseagênciasedos ba-
te-bocascomadversários.
Os traçoscomunsaessas situa-
ções são que elasgeramprotestos
que ficamrestritosàmídiaeren-
demaomandatáriooaplauso en-
tusiasmado de seus partidários.Os
prejuízoscausados sãoalgoabstra-
tosou, pelo menos,não imediata-
mentemensuráveis.
Em outras ocasiões, porém,Bolso-
narorevelou-se mais banana.Parou
defalar em transferiraembaixada
brasileiraparaJerusalémeesque-
ceuodiscursoduroquefaziacon-
traaChina.Nãovoltouainsistirna

pautadoEscolasemPartido nem na
ideia dereduziramaioridade penal.
Explicações paraosrecuos presi-
denciais incluemagrande chance
de sofrer umrevésnoCongresso ou
naJustiçaede incorrer em pesadas
perdascomerciais, que afetariam
grupos queoapoiam.
Umcaso mais difícil de classificaré
odoFundo da Amazônia.Aqui,Bol-
sonaroabriu mão deconcretíssimos
R$ 300 milhões pelo prazer defalar
grossocomaAlemanhaeaNoruega.
Minhaimpressãoéque, esgota-
das as polêmicas maisfáceis, opre-
sidentevai buscandoconflitoscom
gruposcommaior poder dereação.
Nosúltimos dias, elevemseindis-
pondocontraasbases daReceita,
da PFedoMP. Já surgemsinais de
que poderáatédesencadearuma
campanha internacionaldeboico-
te aprodutosbrasileiros,devido ao
descuidocomapreservaçãoambi-
ental.Àmedida que aumentam as
apostas, aumentatambémachan-
ce de nosso Hamlet do Ribeira reve-
lar-se um banana.
[email protected]

BRaSÍlIaJair Bolsonarosempresou-
be queocurrículo do filho não era
suficienteparaoposto maisimpor-
tantedadiplomaciabrasileirano
exterior.Tentoufazerpiada, cha-
mou Eduardo de “fritador de ham-
búrguer”e,principalmente,limpou
uma planilha decargos vultosos no
governo paraentregar aos parlamen-
taresdispostosaapoiá-lo.
Onome doterceirofilho do pre-
sidentecomeçouacircular háqua-
se 40 diascomo futuroembaixador
do Brasil emWashington. Recebeu
oavaldogovernoamericano,mas
aindanãofoienviado ao Senado pa-
raaprovação.Olongoprocesso e
as críticas públicasrevelamocusto
políticoaltodaescolha—um custo
queBolsonaroestádispostoapagar.
Opresidentequeimaainfluência
políticadogovernoparaemplacar
Eduardo.Quandofala em desistir,ig-
noraoóbvioentravemoraldeenfi-
ar um filho numa função pública de
pesoeparecesóestar preocupado
comobem-estardaprole.
“Tudoépossível.Eunão quero
submeteromeu filhoaumfracas-

so.Euacho que eletemcompetên-
cia.Tudo pode acontecer”, afirmou.
Ogovernotrabalhacomo seofa-
torfamília nãofosseproblema. “Se
nãoformeu filho,vai serofilho de
alguém,porra”,disseopresidente,
desiludindo quemtorcia paraque
oembaixadorfosse um ser nasci-
doapartirdegeraçãoespontânea.
Para cumpriramissão,Bolsona-
ro mergulhou decabeça no jogo que
adoracriticar.Noinício do manda-
to,ele engrossouavozpara acusar
oCongresso de achacarogoverno
em trocadecargos. Agora, ordenou
que seus auxiliaresfaçamdetudo
para agradar aos senadores.
Muitos parlamentares,mesmo as-
sim, nãoconseguem engoliraindi-
cação. Eduardo aindatemchances
de ser aprovado nas próximas sema-
nas, masavotação não deve ser um
passeio,mesmotendoaseufavor
uma máquina oficial operandoamil.
Ainsistênciaéosinal de queopre-
sidentenão se importa em degradar
ogovernoepôr em riscooutrasvo-
tações importantes, só paraconfir-
mar uma escolha injustificável.

RIoDEJaNEIRoNasemana passada,
aARD,principalcanal estataldete-
levisão da Alemanha, dedicoutodo
um programa humorístico,“Extra
3 ”,acriticaropresidenteBolsona-
ro porsua defesadamotosserrana
proteção da Amazônia, por sua in-
tervenção em órgãos oficiais que in-
sistem em lhe dizeraverdade sobre
odesmatamentoepelo seu sonho
de transformaraagriculturabrasi-
leira numgrandepasto.Até aí,énor-
mal —graçasaBolsonaro, oBrasil
temfornecidoabundantematerial
de humor naTVmundial. Mas, em
certomomento, oapresentador Ch-
ristian Ehring mostrouBolsonaro
usando uma misturademonoquíni
etanga,comomorroDois Irmãos
ao fundoeotítulo: “Bolsonaro, der
DeppvonIpanema”. Ou: “Bolsona-
ro,oidiotadeIpanema”.
Epa! Aí, não.Éinadmissível.Épe-
garpesado demais. Idiota,tudo bem.
Mas,deIpanema, não.
Bolsonaronãotemnadaaver com
Ipanema.Nuncateve, nuncaterá.
Nãoháhipótese de serconfundido

comobairroque, nos últimoscem
anos, foiopalcodas revoluçõesbra-
sileiras emcomportamento, moda,
artesplásticas, cinema,teatro,mú-
sicapopular,imprensa,colunismo
social,cartum,fotografia,televisão,
esporte, design,boemia, Carnaval,
praiaeaté psicanálise.Obairroda
bossa nova,docinema novo,daBan-
da de Ipanema, das Dunas doBara-
to,daesquerdafestiva,dosbote-
quins lendários, das moças grávidas
na areia, das grã-finas que se mistu-
ravamcom os mortais.
ObairrodeTomJobim, Vinicius
de Moraes, Leila Diniz, MillôrFer-
nandes,Rubem Braga, Danuza Le-
ão,FernandoSabino, PauloFran-
cis, GlauberRocha,FerreiraGullar,
Domingos Oliveira, Lucio Cardoso,
Jaguar,Helio Oiticica, Marina Cola-
santi,MarioPedrosa,JoãoSaldanha,
Odile Rubirosa,ToniaCarrero, Cazu-
za, Zuzu Angel.Eque, muitoantes
deles, já eraobairrodeErnestoNa-
zareth,João do RioeDoloresDuran.
OqueojecaBolsonarotemaver
comIpanema?

Sim, nóstemos bananas


Opreçodo embaixador Eduardo


Idiota,tá OK;deIpanema, jamais



  • Hélio Schwartsman


  • BrunoBoghossian




  • RuyCastro




Foimuitoimportanteparao
futurodoBrasil adescoberta,
pelaoperação Lava Jato,doina-
creditável incesto promovido
entre agentespúblicos eparte
do setor privado.
Ainda que, no curtoprazo,
issopossater perturbadonos-
so crescimento, no longocriou
as condições paraacelerá-lo.
Poderíamosterreduzido o
seu custosocialcomuma opor-
tunaeinteligentelei de leniên-
cia(o que não eratarefadaLava
Jato,mas dogoverno que elaex-
pôs) que mantivesse as empre-
sasfuncionandocomaexper-
tisetécnicaque acumularam,
queépatrimônio da nação.
ALavaJatoéum pontodein-
flexão moralematerial na his-
tória da sociedade brasileirae
seus benefícios são duradou-
ros. Nãovejocomo elapode-
rá seratingidapela aprovação
no Congresso da leideabuso
de autoridade.
Explico. Hápelo menos 70
anos adquiri no curso deeco-
nomia da FEA/USP algunspar-
cosconhecimentos de direito.
Desde então,aceitei que nos-
so mecanismo de prestação ju-
risdicional nãoéperfeito, mas
oferecerazoávelgarantiaao
acusado. Se não estiversatis-
feito, poderecorrerainstân-
cias superiores(colegiado de
juízes) que“controlarão”ali-
suradoprocesso acusatório e
arazoabilidade da decisãodo
primeirojulgamento.
Épor isso que estou surpre-
so comareaçãocorporativista
contraaquela lei, quando afir-
ma que elaéuma ameaçaju-
risdicional.Sobre opoder do
Congresso degestá-laeopo-
der do presidente de sancioná-
la ouvetá-laparcialmente, não
há dúvidas. Queapalavrafinal
sobreela caberáaoCongresso,
que poderejeitareventuaisve-
tos, também não.
Há um paradoxomuitointe-
ressante já apontado pelocom-
petenteElio Gaspari.No caso
deeventual denúncia deabuso
de autoridade, quemvaipro-
movê-laejulgá-la?Opróprio
Judiciário!
Logo, se um funcionário da
Receita, do Coaf,umpromotor
ou um juiz se julgaameaçado
porque será“controlado” pe-
lo próprioJudiciárioéporque
ele duvidadarazoabilidade da
própriaJustiça.
Quem salvouodia foioilus-
treministro JoãoOtávio Noro-
nha,nada menosdoqueopre-
sidentedoSuperiorTribunal
deJustiça(STJ), que defendeu
alegitimidade docontrole do
abuso de autoridade.
Declarou: “Nãotemos nada
atemer. Aquilovaleparatodas
as autoridades, seja doJudici-
ário, seja do Executivo, seja do
Legislativo”.
Como disseoilustreminis-
troFachin,doSTF,num arti-
go antológicopublicado noVa-
lor Econômico( 12 / 8 ): “A obe-
diênciaàConstituiçãoéare-
granúmeroum da seguran-
ça jurídica”.
Portanto, aaçãodefuncio-
nários públicos, procurado-
resejuízes seráainda mais
forteebem-vindaserespeitar
os princípioseosdireitos ne-
la inscritos.
[email protected]

Paradoxo



  • Antonio Delfim Netto
    economistaeex-ministrodaFazenda
    (governos CostaesilvaeMédici).
    escreve às quartas


Hubert
Free download pdf