dossiê
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dossiê
A angústia, em Psicanálise, é
um sinal de alerta a ser escutado.
Ela vem, estrangula o dito não dito,
agita o ser por falar tocando direta-
mente na víscera real do corpo que
habitamos. A angústia chama para a
vida ao lembrar da morte: e agora?
O sujeito tem que se haver com sua
condição. Não dá para se estabilizar
na angústia, pois ela é o afeto que
não brinca em serviço. A angústia,
que rasga de dentro para fora, mos-
tra que não se foge de si mesmo. É
imprescindível encará-la, ainda que
a vontade seja a de sair correndo,
sem rumo, lenço e documento.
Escutar a si mesmo é tarefa ár-
dua, difícil, inefável e laboriosa,
pois não se trata de escutar o rasante
dos pensamentos tão somente, uma
vez que por eles inclusive nos enga-
namos e maquiamos em fantasias o
que não vai bem. Escutar a si mesmo
é aceitar sua dolorida condição. Daí,
numa Psicanálise, as pessoas que es-
peravam tudo aconchegante saírem
com labirintite psíquica. Em pen-
samentos, reformulamos o mundo
de forma afável, somos carismáticos
conosco mesmos, maquiamos narci-
sicamente nossa condição, ensimes-
mamos fetiches de salvação. Penso,
logo egoísmo. Necessitamos ir além
das defesas pensantes que criamos
se desejamos romper com as rígidas
repetições que nos alinham no so-
frer. Na dinâmica da vida é preciso
fazer o luto da onipotência, permi-
tindo indagar o pensamento, acei-
tando a condição faltante. Não será
sem suporte, certamente será com
medidas paliativas, cada um com as
suas, tal como aponta Freud:
“A vida, tal como a encontra-
mos, é árdua demais para nós, pro-
porciona-nos muitos sofrimentos,
decepções e tarefas impossíveis.
A fim de suportá-la, não podemos
dispensar as medidas paliativas”
(Freud, 1930).
Cada pessoa deverá analisar
meio à sociedade do espetáculo fe-
liz, das imagens do todo, da ditadura
do sorriso de prótese, acabam se an-
gustiando ao saber que a felicidade
plena é inconivente com o modo hu-
mano de ser. Para estes, a felicidade
surge como mercadoria promissora,
onde vendem os pergaminhos, bu-
las, treinos, itens e tudo mais que for
necessário para irem tamponando o
que não tem tampa, mas tem borda.
Ao apostar todas suas fichas nesses
indícios prometidos e fracassar pe-
rante o delineado esperado, o sujeito
inaugura nova rotina de angústia em
resposta ao exercício da castração
que ameaça o Eu.
Não se trata de
ser pessimista
ofato de saber que
omundo não gira
ao redor do umbigo
do pensamento,
mas se trata de
encarar a angústia
magna existente
para o ser falante
J
á dizia o poeta: “Não quero ter
razão, quero ser feliz!” Em tem-
pos de promessas, virada de
ano, tempos difíceis, mudanças,
de crises existenciais e outras mais,
cada um recorre a algo a que possa
se segurar. Muitos recorrem à oni-
potência do pensamento chamado
de positivo, combatendo o negativo
como se o querer consciente fosse
um milagre retilíneo uniforme. Ain-
da que este tipo de pensamento de-
signado de positivo pela consciência
tenha seu lugar e suas funções con-
fortantes para muitas pessoas, ele
não é definidor de mundo.
Não se trata de ser pessimista o
fato de saber que o mundo não gira
ao redor do umbigo do pensamen-
to, mas se trata de encarar a angústia
magna existente para o ser falante.
Ao falar, indagar, inserir a lingua-
gem que corta o todo naturalizado
do mundo, o ser humano se depara
com a intrínseca angústia de não ser
todo. Falar é assumir que é faltante,
viver é isso, fazer da falta um bom
motivo para fazer algo de tudo. A
falta pode ser adereço central do de-
sejo se a tomarmos como faísca de
linguagem.
Muitos, na sua essência faltante,
em sua euforia de querer ser mais em
O pensamento designado de positivo pela consciência tem seu lugar e suas funções confortantes
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