http://www.portalespacodosaber.com.br psique ciência&vida 37
O consciente positivo
SHUTTERSTOCK
ZENOBIA BARLOW/WIKIMEDIA COMMONS
quais medidas paliativas lhe servem
em seu propósito de vida.
Civilização
E
m se tratando de civilização,
Freud afirma que uma das
condições centrais para que esta
exista, ainda que manquejando, é a
de que “o homem civilizado trocou
uma parcela de suas possibilidades
de felicidade por uma parcela de
segurança” (Freud, 1930). Desse
modo, suportar as pequenas dife-
renças e se ouriçar nas relações é
condição sine qua non para viver
em civilização. Por ouriçar, enten-
damos, conforme Schopenhauer
aponta em sua escrita dos porcos-
-espinhos na noite de inverno: caso
estejam muito próximos, se ferem
e sangram, podendo morrer pela
proximidade sufocante e perfuran-
te dos espinhos. Se muito distante,
podem morrer pelo frio. Portanto,
se faz necessária uma distância en-
contrada que não seja muito próxi-
ma ou tão longínqua.
Aqueles passos que sonhamos
para alcançar a felicidade, aqueles
conselhos que indicam o caminho,
os manuais do que fazer e como
fazer que garantem sucesso jogam
com nosso desamparo. Aqui se en-
caixa bem um postulado de Freud,
em O Mal-estar na Civilização: “Não
existe uma regra de ouro que se
aplique a todos: todo homem tem
que descobrir por si mesmo de que
modo específico ele pode ser sal-
vo” (Freud, 1929). A vida humana
é singularmente inventiva, não há
roteiro, manual, passo a passo, nada
que garanta. A felicidade, sempre
em pedaços, é feita, construída, às
vezes aparece de surpresa, e esta vai
além do cair nas artimanhas da se-
dução de soluções rápidas.
É confortante deslocar as reso-
lutivas dos problemas ao poder do
pensamento ou a alguém. O outro
nada pode por nós, pode “com nós”.
E apostar no pensamento mágico é se
portar como se fôssemos bebês com
a onipotência de seu choro: chora-
-se, esperneia-se, basicamente não se
faz mais do que isso e o mundo nos
atende. Os pensamentos mágicos são
derivados de nossas experiências da
tenra infância. Desde os primórdios,
o pensamento mágico demarca pre-
senças, nos credos, rituais tribais e
mitos fundadores. Chora-se e magi-
camente aparecem quentinho copo
de leite, seio com afeto, soluções mi-
rabolantes, acaloramentos, nutrien-
tes afetivos e vitamínicos. Eis aqui o
protótipo do credo no pensamento
mágico onipotente. Econômico e até
então efi caz. Até então.
Até então, pois a posteriori
o princípio de realidade surge e
Psicanálise cirúrgica
A Psicanálise é cirúrgica, diz Freud.
Tem o bisturi da língua. Os pensa-
dores da área psicanalítica afirmam
que os profissionais que atuam com
a mente são os cirurgiões da exis-
tência. Segundo Ferenczi, nos as-
semelhamos ao obstetra de parto
normal e devemos, por vezes, dar
empurrões quando a morte grita
por insuportável estando tão próxi-
mo da vida. Operar o inconsciente,
via manifestações deste, é tarefa
da Psicanálise.
Ao falar, inserir a linguagem que corta o todo
naturalizado, o ser humano se depara com a
intrínseca angústia de não ser todo. Falar é
assumir que é faltante, viver é isso, fazer da
falta um bom motivo para fazer algo de tudo
Muitas pessoas vivem a euforia de querer ser mais em meio à sociedade do espetáculo feliz, das
imagens do todo, da ditadura do sorriso de prótese
DOSSIE.indd 37 29/01/2019 15:42