Preferi, portanto, abordar apenas aqueles que, do meu ponto de vista, permitissem bem delinear e
interpretar a evolução do pensamento militar do Exército, através de tormentosas fases da vida
nacional, neste século de mutações sociais e instabilidade política. Eventos que facilitassem
perceber por que esse pensamento foi mantido em sua pureza original pelos militares de vocação,
deformado pelos carreiristas congênitos, sempre fascinados pelos interesses pessoais, e abandonado
por homens da cúpula castrense que, vítimas de estrabismo moral, confundiram a nossa sublime
idéia-força de "Servir à Pátria" com a aviltante - mas vantajosa - subserviência aos homens
poderosos.
Nos noventa e um anos de nossa vida republicana, anotam-se cerca de trinta ou mais revoluções,
revoltas e golpes militares - desprezando-se as inacabadas e inconseqüentes conspiratas - numa
demonstração irreplicável de imaturidade política e incapacidade administrativa que deixaram
campear a ignorância e as enfermidades e pulular oligarcas régulos - nacionais e provincianos -
responsáveis por tantos males causados à Nação.
Não poderá, por conseguinte, um militar, que percorre esta senda de agitações há mais de setenta
anos, descrever fatos dos quais se recorde sem aludir a revoluções, políticos e militares, porquanto
tirará de suas descrições os elementos que lhes dão o sabor da realidade.
Tomei, por isso, como premissa indispensável, a resolução de conceituar estes três termos,
tecendo algumas considerações que assegurem a compreensão da maneira com que encaro e ajuízo os
acontecimentos. É um parâmetro de correlação que procuro estabelecer entre o autor e o leitor, entre
a intenção e o entendimento.
As revoluções - consideradas em sua acepção tradicional de violentas perturbações que
modificam uma filosofia de vida, substituindo governos e regimes - têm o seu epicentro na questão
social.
As verdadeiras revoluções, ensina o historiógrafo Albert Mathiez, nascem "da separação cada
vez maior entre a realidade e a lei, entre as instituições e os costumes, entre a letra e o espírito".'
Resultam, pois, do perfeito divórcio entre o cidadão e a estrutura que o agrilhoa, entre o homem que
obedece e aquele que reina. Elas têm o seu sêmen na mente, germinam pela palavra, porém só se
concretizam e frutificam ao tempo em que recebem o auxílio da força. Desde as suaves pregações do
pescador da Galiléia até o crudelíssimo assassínio da família imperial russa, em 1918, a História
vem homologando esta tese. E... continua a confirmá-la.
Sobre a tríade basilar das revoluções - idéia, doutrinação, deflagração - assentam-se os esforços
dos revolucionários, isto é, dos homens que querem mudar.
A idéia é um misto de fé e de esperança; de fé por ser a crença arraigada em algo que se deseja,
e de esperança que nada mais é do que a fé no futuro. Ela relampeja no cérebro dos idealistas e dos
grandes reformadores - dos quais Jesus Cristo é a figura magna da humanidade - antes de baixar e
estender-se aos homens comuns.