questão fundiária não é só nossa nem da época em que vivemos. Os romanos, para não irmos
mais longe, já a haviam agitado, antes da era cristã, com a Lei Agrária de Cássio. O objetivo de dar
melhor aplicação às terras devolutas, a par do de impedir fossem acumuladas em exorbitantes
propriedades, esteve sempre presente na solução do problema agrário. Suas implicações econômicas
e sociais emergiam até de superficiais exames, criando dificuldades muitas vezes insanáveis.
Em nosso país, os grandes espaços agrários vazios de utilização constituíram sério problema
cujo delicado equacionamento, além das condições históricas de evolução da propriedade, encontrou
o choque de sensíveis pressões antagônicas para conturbá-lo.
As soluções, formuladas pelo malabarismo político, careciam de equilíbrio e senso da realidade,
exacerbando constantemente o que pretendiam atenuar. Esse problema torna-se mais grave nos países
como o Brasil, no qual, antes de 1964, mais de 60% da população dependia, para viver, da
agropecuária e da silvicultura.
A falência da legislação agrária, no nosso caso específico, quer pela sua inexeqüibilidade quer
pela inadequabilidade, a despeito de todo o interesse dos governos revolucionários, tem permitido a
proliferação de incidentes, confrontos e lutas entre os ocupantes das terras e seus proprietários, ou
pretensos proprietários, legais.
Durante a minha longa vida militar, fui testemunha de fatos que fortalecem o conceito acima
expendido.
Em 1943, no Oeste brasileiro, onde servia, a escravatura era fato comprovado em quase toda
aquela região. Voltando a Mato Grosso, em 1964, encontrei a mesma situação. Como general
Comandante da 4á Divisão de Cavalaria tive que intervir, a pedido, numa fazenda situada no vale de
um dos afluentes do rio Paraná - se não me foge a memória o Ivinhema - na qual se praticava
abominável escravidão. Um empregado, não suportando a pressão e os maus-tratos, burlou a
vigilância, fugiu e trouxe-me a denúncia, pois deixara sua mulher no local e temia por sua segurança.
Aberto o inquérito tudo foi confirmado; o capataz da fazenda, indignado com a fuga e querendo
ser ressarcido de uma pequena dívida, colocou em leilão, entre os demais empregados e peões, a
mulher do foragido.
Foi arrematada por pouco menos de cinqüenta cruzeiros!