O descaramento pasmava até os despersonalizados incensadores de todos os governos, sempre
omissos e concordantes, na esperança de compensadoras migalhas. Houve uma promoção em que
candidatos fortemente amparados pela proteção política disputavam número reduzido de vagas e, por
isso, nem todos seriam promovidos. Todavia, a imaginação habilidosa e criadora dos governantes
encontrou solução para tão grave empecilho - todos foram promovidos, considerando-se claros que
deveriam ocorrer meses depois, e, então, já no novo posto, aguardaram, agregados, o epílogo da
comédia.
Foi a época dos "generais do povo", dos chefes sem compostura, sequiosos do poder, que
bajularam superiores porque só deste modo seriam notados, e mergulharam na condescendência com
a indisciplina, concorrendo para o menosprezo da hierarquia e a quebra da unidade do Exército.
Chefes que se desonraram, encarregando comandados de espreitarem seus comandantes - seguindo-
lhes os passos e devassando-lhes a vida particular. Homens que desceram à promiscuidade com
subordinados, enojando-os com agrados viscosos - incompatíveis com a tradição militar e o respeito
de si mesmos; carreiristas incorrigíveis, que se exibiam publicamente, nos ombros de inferiores
hierárquicos, em comícios de operários e reuniões estudantis, no deleite de uma liderança que não
possuíam, mas se esmeravam em aparentar.
É evidente que não podemos creditar, tudo isso, à falsa seleção de valores profissionais,
concluída por inegável influência política, muito ao sabor dos presidentes da República,
conhecedores da força da hierarquia, numa comunidade educada para acatá-la com fervor quase
religioso. Este comportamento militar, na realidade, resultava de uma complexa série de fatores,
entre os quais, entretanto - insisto em assim julgar -, destacavam-se a politicagem que invadiu o
Exército e o sistema de promoções existente.
A Lei de Promoções então vigente facilitava as manobras político-militares, visto que, para cada
vaga de general-de-brigada, poderiam concorrer quinze coro néis, o que significava, no caso da
existência de quatro vagas - quota muito comum -, que o Presidente da República disporia de um
universo de sessenta nomes para escolha, feita, praticamente, sem a participação do Exército.
É fácil compreender que, numa faixa tão larga, as injunções políticas tinham preferência
absoluta, dado o caráter esquerdista do governo, mais preocupado em promover comparsas do que
em selecionar chefes militares capazes profissionalmente.
O ponto dolente era a faixa de escolha concedida ao presidente, sobre a qual atuavam, e ainda
atuam, idéias contrárias, visando a alargá-la para dar maiores possibilidades à preferência
presidencial ou a restringi-la, gradativamente, até dela constarem, apenas, os nomes que,
selecionados pelo Alto Comando, seriam homologados pelo chefe do Executivo.
Firmavam-se, assim, duas correntes de opinião diametralmente opostas. Os que, identificando a
profissão das Armas com o sacerdócio, não aceitavam imiscuir-se o militar em tramóias político-
partidárias, só encontrando a solução de retirar do presidente a prerrogativa de elevar ao generalato
oficiais de sua exclusiva predileção. E os que, mais tolerantes com a imagem profissional, muitos