- Mas, presidente, aquela senhora irá desfeitear-me! O senhor não conhece aquela senhora.
Nada mais tendo a fazer, solicitei autorização ao presidente para retirar-me.
Não soube, nem me interessava saber, quem representou o presidente Geisel na cerimônia
fúnebre do ex-presidente.
A política é realmente uma arte difícil!
Um ex-Presidente da República é acusado, por um governo revolucionário que se instala, de ter
sido cúmplice na calamitosa situação em que se achava o Brasil em 1964. Os revolucionários - em
grande maioria - viam nele o presidente que abrira as portas à desenfreada corrupção que grassava
no país. Através de medidas excepcionais, seus direitos políticos são cassados. O homem, no
entanto, por seu feitio simples e facilidade de comunicação, possuía inegável prestígio popular, que
não se abalou com a cassação revolucionária. Morrendo em situação trágica, vem este mesmo
governo revolucionário conceder-lhe luto nacional. É um paradoxo!
Se era um benemérito, se tinha serviços importantes prestados à Nação, por que o cassaram?.
Se, ao contrário, concorreu para a ruína do país, por que luto nacional, convidando a Nação a
chorá-lo?
Não havia coerência nos atos revolucionários. Se a Revolução tinha errado, deveria ter tido a
coragem de reabilitar em vida o injustiçado.
Se não havia erro e, dentro dos cânones revolucionários, tinha sido feita justiça, por que a
medida divulgada, logo, com alarde?
Em certa oportunidade, o presidente Geisel, referindo-se ao caso Herzog, realçou o interesse das
oposições, em todas as épocas, na "exploração dos cadáveres". O que se fazia, naquele momento, era
a tentativa de conquistar a simpatia dos juscelinistas com um ato de "falsa elevação moral".'
Nenhum dos homens do Planalto, que eu o soubesse, mudara sua opinião sobre o ex-presidente,
todavia, era de grande interesse político aparentar o oposto.
Estas apreciações mostravam-me como paradoxal a decisão presidencial. Já disse algures, e não
me canso de repeti-lo, que estes fatos só ocorrem quando a política consegue asfixiar a moral.
Não há dúvidas de que a política, com suas artimanhas e manobras, muitas vezes de objetivos
inconfessáveis, é arte ou ciência para os iluminados. Nós, os militares, formados na linha de rígidos
princípios morais, víamos o sofisma como vizinho da velhacaria e a coerência como um dever de
consciência. Não podia eu, por isso, entender como homens de farda, que vieram na esteira de uma
Revolução que pregava a moralidade em todos os setores, agissem daquele modo.