Houve, no passado, quem dissesse que a palavra tinha sido feita para esconder o pensamento;
poderíamos, hoje, completar a sentença acrescentando: e muitos decretos presidenciais também.
O PASSAMENTO DE JOÃO GOULART
O falecimento do ex-presidente João Goulart deu ensejo a que se apreciasse, mais uma vez, a
balbúrdia que dominava o Planalto quando de acontecimentos inesperados. Eram ordens e
modificações de ordens, numa tentativa precipitada de ir amoldando as decisões aos interesses
pessoais e políticos. Não havia coordenação nem controle dos diversos setores que as recebiam,
facilitando, assim, a intromissão de setores espúrios.
Vejamos a ocorrência.
Na manhã do dia 6 de dezembro, recebi do general Chefe do Centro de Informações do Exército
a notícia do falecimento de João Goulart, ocorrido na cidade argentina de Mercedes. A família do
morto havia solicitado permissão do governo brasileiro a fim de conduzir o corpo para a cidade de
São Borja, onde desejava sepultá-lo.
O presidente Ernesto Geisel autorizara que o féretro fosse levado àquela cidade rio-grandense,
mas não permitira o transporte por via terrestre. Duas soluções foram lembradas:
- Deslocamento por via aérea direto a São Borja, ou
. ida do caixão até Santo Tomé, pelo território argentino, e transposição do rio Uruguai, em São
Borja.
Dei, imediatamente, ordem ao Comandante do III Exército para que fosse cumprida a
determinação presidencial e soube que, sem perda de tempo, fora transmitida ao delegado do
Departamento de Polícia Federal - coronel Solon D'Ávila - e ao Comandante da 2' Brigada de
Cavalaria Mecanizada, em Uruguaiana.
Ao cair da tarde, uma informação do III Exército dizia que o ataúde, com apreciável
acompanhamento, em Paso de los Libres, cidade fronteiriça à nossa Uruguaiana, preparava-se para
transpor a Ponte Internacional e penetrar no Brasil. Acrescentava ainda a informação de que a
Polícia Federal recebera autorização superior para não se opor à passagem.
Não tendo recebido do presidente qualquer comunicação que modificasse a ordem anterior,
reiterei-a ao Comandante do III Exército. O trânsito por terra estava proibido, para evitar, segundo
informes colhidos pelo SNI, a possibilidade de tumultos ou explorações de caráter emocional.
Pouco mais tarde, por cerca das seis horas, comunicou aquele Exército que o corpo do ex-
presidente e a coluna de acompanhamento já tinham atravessado a fronteira e deslocavam-se para
São Borja, pelo itinerário de Itaqui.