IDEAIS TRAÍDOS - sylvio frota - 706 Págs

(EROCHA) #1

ouvia os chefes militares para assegurar apoio a uma decisão, antecipadamente tomada, nos
momentos em que temia as repercussões públicas. Nessas ocasiões os problemas eram apresentados,
habilmente, com tonalidades revolucionárias. Usou os chefes militares mais como escudos, e jamais
como assessores. A supervalorização que faz de si levara-o a confundir-se com a Revolução que
acabou, por isto, destruindo em suas bases, com a cooperação do grupo palaciano, interessado
apenas em conservar, a qualquer preço, o poder.


Não sou adepto do kardecismo, embora respeite suas teses, mas se a reencarnação existe, não
haverá melhor exemplo para sustentá-la do que a personalidade do general Ernesto Geisel. O espírito
dos Bourbon da época do absolutismo nele provavelmente se reencarnou. Ninguém estranharia que
dissesse - La Révolution c'est moi!'


Em dezembro de 1976, às vésperas do Natal, ofereceu o presidente Geisel um jantar aos seus
ministros. Os visitantes, em grupos, palestravam no imenso salão do palácio da Alvorada.
Encontrava-me bem próximo de um pequeno grupo em que conversavam o presidente e alguns
ministros da área econômica, debatendo, em voz cujo tom às vezes excedia ao normal, soluções para
a difícil situação que enfrentávamos. Um dos participantes daquele grupo sugeriu medidas por
demais vantajosas no presente, porém com reflexos perniciosos no futuro. Outro as rejeitou dizendo
que, em 1979, as conseqüências daquelas medidas seriam desastrosas para a economia nacional. Ao
ouvir esta restrição, o presidente pronunciou, nitidamente, em voz alta:



  • Pouco me incomodo, porque já me fui embora!


Risos gerais acolheram esta declaração, versão brasileira e hodierna da famosa frase:


  • Après moi le déluge!2


Talvez os kardecistas tenham razão.

Estava eu enganado, portanto, quando admitia sensibilidade do general Geisel em relação ao
Exército. O que ele queria, e conseguiu, era implantar as suas idéias e consolidá-las através de uma
sucessão que garantisse no poder o seu grupo, instalado no palácio do Planalto. Acredito que a
opinião do Exército pouco lhe interessasse.


A data de 22 de dezembro foi, naquele ano de 1976, a escolhida para a homenagem conjunta das
Forças Armadas ao Presidente da República.


Como anfitrião, falaria em nome, também, da Marinha e da Aeronáutica.

Dias antes do acontecimento, em despacho habitual, abordou o general Geisel a feitura das
orações que pronunciaríamos - ele e eu. Disse-me que pretendia aproveitar a oportunidade para
reafirmar aos céticos ser a condução do problema sucessório de sua inteira responsabilidade, da
qual não abdicaria. Achava cedo para ventilar o assunto, tencionando reservar o ano de 1977

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