O despacho transcorreu, inicialmente, na parte administrativa, sem qualquer divergência. O
presidente fez algumas considerações sobre a classificação de um oficial que regressara de um curso
no estrangeiro e silenciou. Íamos entrar no exame dos casos conjunturais, deixados sempre para o
final das audiências, conforme a orientação seguida. Cruzou a perna esquerda sobre o joelho direito,
começou a alisar a meia - atitude que nele evidenciava certo nervosismo - e, olhando para o exterior
pela larga vidraça, disse-me, sem voltar-se:
- O dia 25 de agosto vem aí...
Julguei que fosse reiterar recomendações sobre o consumo de carburantes no desfile do "Dia do
Exército", em face do problema do petróleo, providência já tomada com a formatura, apenas, de
tropas a pé e a cavalo. Aguardei, portanto, falasse.
Brusca e intempestivamente, descruzou a perna, virou-se para o meu lado, dedo em riste e
falando alto - quase gritando - proferiu a frase:
- E eu quero ler a sua ordem do dia, general, quero ler...
Se eu tivesse, em maio de 1974, sabido ou, ao menos, percebido que o general Geisel era uma
personalidade temperamental, que alterna períodos de equilíbrio com inusitadas explosões de
violência, comumente ornamentadas de obscenidades, não teria aceitado seu convite para ocupar a
pasta do Exército. Entretanto, iludido por sua aparência austera, fiz ouvidos moucos a algumas
informações que recebi de amigos sobre suas reações emocionais.
Ao ouvir aquela intimação grosseira, sem o mínimo motivo que a justificasse, tomei-me de
indignação, que a custo consegui controlar. Debrucei-me sobre a cadeira, procurando aproximar-me
do presidente, estendi o braço e, com o indicador apontado em sua direção, respondi com voz
pausada à desconsideração do general Geisel, iniciando um áspero diálogo:
- Se o senhor não confia em mim, se o senhor não tem confiança em mim, exonere-me, demita-
me, mas as minhas ordens do dia nunca lhe deram motivos para censuras. Foram feitas sempre na
base da disciplina e da hierarquia. - Mas você está levando isso para outro lado... O Armando Falcão mostra-me tudo e eu vou
pedir aos ministros militares para mostrarem. - Presidente, este ambiente aqui - apontei o dedo para o chão - é de podridão moral e eu não me
acerto com podridão moral. E, o pior, o mais grave, é que tudo isso é feito pelos nossos próprios
companheiros. Há tempos um ministro do Superior Tribunal, aceitando calúnias, pediu abertura de
um inquérito para apurar torturas a presos no 1 Exército. Uma indignidade! O senhor está avisado, eu
ministro ninguém irá fazer um inquérito destes no Exército.