Sua Majestade, conservada em feliz ignorância, sonha, provavelmente, com a espingarda de dois
canos e com as florestas de Mendon. Alta noite, o duque de Liancourt, que possuía direito oficial
de entrada, penetra nos aposentos reais e desenrola com crua clareza, no seu modo
constitucional, as notícias do dia. "Mais"; disse o pobre Luís, "c'est une revolte!", mas é uma
revolta! - "Sire", respondeu Liancourt, "não é uma revolta - é uma revolução."
Embora a controvérsia que se estabeleceu quanto aos conceitos dessas formas de insurreição
dificulte sob certos ângulos uma definição precisa, ouso caracterizar o Movimento de 31 de março de
1964 como um golpe de Estado, que vitorioso enroupou-se de Revolução.
Entretanto, habituei-me a chamá-lo de Revolução, e assim continuo a fazê-lo em respeito aos
ideais que feneceram.
Vou buscar as raízes do Movimento de 31 de março na gloriosa jornada de julho de 1922,
porque - repetindo o conceito de Heberle -"um processo revolucionário compreende várias fases e
nunca se exaure num único levante",3 e os nossos objetivos são ainda os mesmos.
Derrotado nas areias de Copacabana, o levante de 1922 teve, no entanto, suas idéias defendidas
e difundidas pelas colunas revolucionárias que percorreram o Brasil até 1927. Novo levante - a
Revolução de 1930 - vai ressurgi-las e realizá-las em parte para, sete anos depois, serem abafadas
pela traição do golpe do Estado Novo. Revigoram-se, contudo, em 1945, com a queda do ditador.
Em 1951, regressa Getúlio Vargas, eleito e empossado presidente, acentuandose então as
ameaças sindicalistas de João Goulart, sob suas vistas complacentes. Estagna-se o pensamento
revolucionário de 1922, cresce o ódio a Vargas e violentas e insuportáveis pressões forçam-no a
suicidar-se, em agosto de 1954.
Novos alentos trazem a esperança de retomada do processo revolucionário, já tantas vezes
contido pelo destino, porém a desmedida ambição e a vaidade do general Henrique Lott levam-no a
interceptá-lo na novembrada de 1955, traição vil e covarde, realizada sob o pretexto de restabelecer
a legalidade que ele mesmo violentara. Seguiram-se os tristes e desoladores períodos de governos
populistas e criptocomunistas e, depois desta calamitosa era, o levante de 1964.
Tínhamos, nós revolucionários, a impressão de que chegara finalmente a fase da concretização
dos ideais de 1922, o que, infelizmente, não se verificou, pois o processo revolucionário seria mais
uma vez interrompido com a traição do governo Geisel, responsável pelo retorno à marcha para a
esquerda, abominada por todos os que sinceramente lutaram contra o marxismo - a razão primeira do
golpe militar de 1964.
E o governo do general Figueiredo não tem decepcionado o seu antecessor e protetor, seguindo-
lhe os passos com medidas que mais arrastam o país para o campo socialista, comportamento muito
louvado pelos comunistas, seus atuais defensores e amigos em potencial.