seus interesses - imediatos e futuros - embora soubessem que a solução parlamentarista seria um
engodo, porque guardava em seu bojo, com a previsão de um plebiscito, o caminho viável de volta
ao presidencialismo, aceitaram-na e defenderam-na.
E, por esses caminhos tortuosos, sob as vistas de chefes militares vacilantes e confusos, João
Goulart restabeleceu, no dizer de seus partidários, prerrogativas que estavam "mutiladas", tornando-
se presidente "de fato e de direito".
Nessa altura dos acontecimentos os hermeneutas dos textos constitucionais invocavam em favor
do vice-presidente a legalidade do ato e sua irrefutável legitimidade.
Seria a posse de João Goulart legal e legítima? É este um dualismo sobre o qual desejo
especular.
Há, em certas circunstâncias, atos considerados legais que não podem ser assim admitidos, se
julgados sob determinados ângulos e acepções. Outros existem que sendo legais não são legítimos, e
ainda os há legítimos sem serem legais.
Penetremos um pouco mais profundamente na questão.
Legal - dizem os léxicos - é o que está prescrito por lei, e legítimo - continuam explicando - é o
que tem caráter ou força de lei. Os conceitos de legalidade e legitimidade estão, pois, agrilhoados ao
de lei, visto que são estados do legal e do legítimo.
Contudo, sutil diferença existe entre os dois juízos.
- Legalidade é a situação obtida pela proteção da lei, quaisquer que sejam os fatores que a
tenham gerado; - Legitimidade é o estado daquilo que sendo em essência, por imperativos consuetudinários da
razão e da moral, uma lei natural, torna-se válido para os efeitos da lei convencional.
Numa escala de valores morais superponho a legitimidade à legalidade, conquanto exista quem
pense de modo inverso.
A posse de João Goulart era rigorosamente legal e legítima, não pairando dúvidas sobre este
aspecto. Legal por estar prevista na Lei Básica do país; legítima porque, além de ser o primeiro na
linha de sucessão, critério tradicional, aquela lei - Constituição de 1946 - traduzia a vontade do
povo, manifestada através de Assembléia Constituinte.
Os ministros militares não poderiam ter outro comportamento. Esclareceram à Nação com seu
manifesto; sugeriram o impeachment; baldados esses esforços, conformaram-se com o
parlamentarismo e retiraram-se de cena.