Tive a oportunidade de comprovar esse estado de decadência moral quando integrei a Comissão
de Investigação Sumária do Exército (CISEx), que tinha funções muito mais amplas do que o nome
sugeria, pois todos os processos abertos, nas áreas sob jurisdição militar, para apurar atos de
corrupção ou subversão passavam pelas mãos de seus membros. Integrei essa Comissão por muitos
anos, desde a sua criação até a extinção. Nesse período desfilaram por sua secretaria milhares de
processos com provas irrefutáveis de que a corrupção tornara-se uma instituição, amparada pelo
comprometimento direto ou indireto dos administradores, em maior parte por cômoda omissão.
Verbas municipais eram empenhadas em beneficio dos parentes dos prefeitos, sendo interessante
citar que um deles consumiu-as, integralmente, em obras de engenharia entregues à firma de irmãos e
cunhados. Comportamentos semelhantes abundavam.
Uma tarde, ilustre advogado e procurador da Justiça Federal entregou-me, em mãos, um processo
instaurado para apurar corrupção em Brasília no qual, por supostas provas, aparecia Juscelino
Kubitschek como o grande beneficiário. Era uma questão de lotes de terreno à margem do lago
naquela cidade, ofertados por fornecedores ao presidente na data de seu aniversário e, segundo
constava, aceitos com euforia.
Li e reli o documento, que estava chamuscado nos bordos e na capa sem prejuízo da parte
escrita. Constituía, sem dúvida, uma peça escabrosa. Ali apareciam também certidões e outros
papéis da velhaca transação admitida, bem como os verdadeiros nomes dos indispensáveis
intermediários e "testas-de-ferro".
O processo arrastava-se lentamente pelos canais judiciários, quando um funcionário da justiça
lançou-o à lareira para destruí-lo. A tempo de salvá-lo, rapidamente o promotor retirou-o, visando a
entregá-lo ao Exército para seu prosseguimento.
A Comissão remeteu-o ao Ministro da Justiça. Meses depois solicitou, por necessidades
burocráticas, informações daquele Ministério sobre a marcha do documento. A resposta muito
demorada, lamuriosamente redigida, confessava o extravio da preciosa peça. Mandamo-lhes uma
cópia "xerox"; porém, até hoje, não sei do destino que lhe deram.
A CISEx conserva em seus arquivos uma cópia deste processo, se a nova ordem não mandou
incinerá-la.1
O governo João Goulart, particularmente, agravou mais esta situação de descalabro moral,
agasalhando os comunistas, dando-lhes facilidades de penetração em todos os setores e
identificando-se publicamente com suas teses. Conduziu, enfim, ao cenário nacional a questão
ideológica.
Este ambiente de corrupção e subversão contagiou as Forças Armadas, em que existiam, nos
diferentes escalões, numerosos elementos que nelas haviam ingressado mais pelo desejo ascensional
- isto é, pela ânsia de subir na sociedade - do que por vocação. Esses homens, sem reais pendores
militares, teriam sido médicos, engenheiros ou advogados se estas profissões lhes custeassem os