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A14 QUARTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Internacional
Superterça deixa disputa democrata
restrita a Bernie Sanders e Joe Biden
Beatriz Bulla
ENVIADA ESPECIAL
CHARLOTTE, EUA
Barry Dixon tem 30 anos, gra-
duação e especialização em
marketing. Como um a cada
três jovens americanos nessa
faixa etária, ele possui uma dívi-
da estudantil que não sabe quan-
do pagará. “Eles nos ensinam
que, se tirarmos boas notas, te-
remos trabalho. Mas não dizem
que você se forma com US$ 120
mil de dívida e precisa começar
a ganhar dinheiro imediatamen-
te”, disse.
Dixon vive em Charlotte, na
Carolina do Norte, e carrega a
dívida desde 2013. Começar a
carreira como iniciante não era
suficiente para pagar as contas
- e o empréstimo estudantil, o
que o levou a adotar uma alter-
nativa: é motorista de Uber nas
horas vagas com dois pequenos
caminhões de entregas. Não era
isso o que imaginava como pro-
fissional quando entrou na fa-
culdade. Agora, ele é um dos jo-
vens que vê no senador Bernie
Sanders a solução.
No duelo com Joe Biden para
ser o candidato presidencial do
Partido Democrata, o senador é
adorado pelo eleitorado jovem,
enquanto o ex-vice-presidente
carrega os votos de eleitores aci-
ma de 55 anos. A diferença nota-
da nas pesquisas é visualmente
perceptível nos comícios de ca-
da um.
Na manhã de ontem, J. Nico-
le Potts foi ao porão da igreja
batista da Hoskins Avenue, em
Charlotte, para votar em San-
ders. Nicole vestia um mole-
tom da Belmont Abbey College,
mas o orgulho da faculdade que
cursou acaba aí. “Foi o pior erro
da minha vida”, diz. Ela tem 48
anos e uma filha de 31, a qual
criou sozinha. As duas foram
contemporâneas na universida-
de e hoje ela tem uma dívida de
US$ 80 mil.
“Eu não consigo um trabalho
que pague o que preciso para
quitar esse empréstimo estu-
dantil”, afirma. Nem ela nem a
filha seguiram carreira no setor
escolhido na faculdade. “Pa-
gam US$ 90 a hora para uma
função que exige mestrado. Co-
mo fazer? Ter diploma não bas-
ta.”
Empréstimos. O crescente
problema da dívida estudantil
tem obrigado os democratas, e
mesmo Trump, a pensar em for-
mas de resolver o problema.
Cerca de 45 milhões de america-
nos têm dívida estudantil, que
chega a US$ 1,6 trilhão. A maio-
ria (70%) dos estudantes recor-
re a empréstimos para bancar
os estudos universitários, mas
não consegue pagar depois com
o os juros.
“Estou cansado de votar ape-
nas porque tenho direito de vo-
tar. Eu quero saber o que vou
conseguir com o meu voto e,
por isso, votaria no Bernie, por-
que ele é o candidato que pro-
mete resolver as dívidas estu-
dantis”, afirma Dixon.
Se o candidato democrata for
qualquer outro, que não o sena-
dor, Dixon não pretende votar
em novembro. No entanto, o
apoio dos estudantes não pou-
pa Sanders de ser alvo de críti-
cas pelo seu plano, o mais custo-
so de todos os candidatos presi-
denciais.
WASHINGTON
A Superterça, noite mais deci-
siva das primárias america-
nas, serviu para limpar a dispu-
ta presidencial democrata,
que ficou restrita ao ex-vice-
presidente dos EUA Joe Biden,
um moderado, contra o sena-
dor Bernie Sanders, um “socia-
lista democrata”, como ele se
define. Os dois dividiram a
maioria das vitórias nas pré-
vias estaduais de ontem e de-
vem disputar entre eles quem
será o nome que enfrentará
Donald Trump, em novembro.
Segundo projeções, até o iní-
cio da madrugada de hoje Biden
havia vencido as prévias em Es-
tados como Carolina do Norte,
Virgínia, Minnesota e Tennes-
see. Já Sanders havia ganhado
em Vermont, Utah, Colorado e
lutava voto a voto com o ex-pre-
sidente no Texas e em Massa-
chusetts. Na Califórnia, Estado
mais populoso dos EUA, com
mais de 20 milhões de eleitores
registrados e que conta lenta-
mente seus votos – a expectati-
va é que a apuração total no Es-
tado leve dias para ser concluí-
da.
O bilionário ex-prefeito de
Nova York Michael Bloomberg,
que gastou US$ 500 milhões
em três meses de campanha, te-
ve um desempenho abaixo do
esperado. A disputa democrata
foi marcada pelo excesso de can-
didatos – no total, 29 chegaram
a disputar a indicação. No en-
tanto, desde o início, estava cla-
ro que a corrida seria entre as
duas alas do partido: os progres-
sistas e os moderados.
Biden, que liderou a corrida
presidencial a maior parte do
tempo, veio perdendo terreno
desde o ano passado. Nas pri-
meiras três prévias – Iowa,
New Hampshire e Nevada –
Sanders obteve excelentes re-
sultados, saltou como favorito
e sua caminhada parecia incon-
testável. Mas na quarta disputa
a campanha do ex-vice-presi-
dente ressuscitou.
Com a vitória convincente
na Carolina do Sul – especial-
mente com o voto do eleitora-
do negro –, Biden recebeu o im-
pulso de vários rivais em um
espaço de 48 horas: Pete Butti-
gieg, ex-prefeito de South
Bend, e a senadora Amy Klobu-
char, que abandonaram as pré-
vias, embarcaram na campa-
nha do ex-vice-presidente dos
EUA. Beto O’Rourke, ex-depu-
tado texano e uma das estrelas
do partido, também anunciou
apoio a Biden.
De acordo com pesquisas de
boca de urna, divulgadas on-
tem, após o encerramento das
votações da Superterça, a
maioria dos eleitores demo-
cratas que decidiu em quem
votar na última hora optou
por Biden – o que mostra o en-
tusiasmo de sua campanha
nos últimos dias.
Definição. O candidato demo-
crata será definido na conven-
ção de Milwaukee, entre os dias
13 e 16 de julho. Para obter a can-
didatura, Biden e Sanders preci-
sam obter o apoio da maioria
dos 3.979 delegados – escolhi-
dos nas primárias (cerca de
84% do total de votos da conven-
ção) – e 771 superdelegados,
que são caciques do partido, lí-
deres estaduais e burocratas,
que representam pouco mais
de 16% do total de votos em
Milwaukee.
Na noite de ontem, estavam
em disputa 1.357 de delegados
- cerca de um terço do total
que definirá o candidato em ju-
lho. Para alguns líderes do Par-
tido Democrata, o pior cenário
seria que Sanders e Biden si-
gam dividindo a votação e o nú-
mero de votos, sem que nin-
guém obtenha uma maioria cla-
ra durante a convenção.
O impasse obrigaria os 771
superdelegados a decidir o no-
me do candidato. No momen-
to em que a população parece
cansada dos políticos tradicio-
nais, o partido não quer passar
a imagem de que a indicação é
decidida por burocratas e não
pelo voto popular. As lideran-
ças democratas, portanto, es-
tão diante do dilema de hipote-
car apoio a Biden, atrapalhan-
do o caminho de Sanders, e cor-
rer o risco de alienar parte do
eleitorado do senador, espe-
cialmente o exército de jovens
dispostos a votar no partido pe-
la primeira vez. / REUTERS, AP,
W.POST e NYT
Queda de braço. Senador e ex-vice-presidente dos EUA dividem vitórias na noite mais decisiva das primárias americanas, que cada vez
mais parecem polarizadas entre os dois pré-candidatos a disputar a eleição contra o presidente Donald Trump, em novembro
WASHINGTON
N
a campanha demo-
crata para a eleição
presidencial ameri-
cana, há um apostador
com uma cifra de US$ 500
milhões. O nome dele é
“mike” – com o “m” minús-
culo mesmo, segundo or-
ganizadores de sua campa-
nha, como se o homem fos-
se seu vizinho de quartei-
rão, não um magnata da
mídia com propriedades
até fora dos EUA.
Esse é Michael Bloom-
berg, prefeito de Nova
York de 2002 a 2013. Um
democrata, que se tornou
republicano, depois inde-
pendente e, por último,
voltou a ser democrata.
Ele é fornecedor de termi-
nais de dados sofisticados
e a nona pessoa mais rica
do mundo. Ele está tentan-
do salvar as primárias ou
sabotá-las acidentalmen-
te? Ou mike é apenas um
substituto para Bloom-
berg, enquanto ele tenta
comprar a presidência dos
Estados Unidos? Quanto
vale uma democracia?
Até agora, Bloomberg in-
vestiu US$ 50 milhões em
publicidade nas platafor-
mas online. Por isso, mike
está no feed do Facebook,
nos resultados de pesqui-
sa do Google e, toda vez
que alguém olha para a te-
levisão, lá está ele. Os can-
didatos presidenciais de
2020 gastaram US$ 26 mi-
lhões em anúncios de TV
apenas no Texas: 80% des-
se valor veio de mike.
Nem sempre a recepção
ao ex-prefeito é o que ele
esperava. Na sexta-feira,
quando ele voou para o Es-
tado do Tennessee, em
um jatinho particular, e se
encontrou com pelo me-
nos mil pessoas no centro
de Memphis, alguns mani-
festantes levantaram car-
tazes chamando-o de “oli-
garca”, perguntando
“qual seu preço” e dizen-
do que a “democracia não
está à venda”. / WP
WADE PAYNE/AP
Senador conquista voto de jovens
com promessa de anistiar dívidas
lOtimismo
QUANTO
VALE UM
POLÍTICO?
JONATHAN ERNST / REUTERS
Funil. Sanders (E) e Biden durante debate na Carolina do Sul
BEATRIZ BULLA/ESTADAO
Empréstimo para bancar
faculdade faz americanos
falarem em ‘pior decisão
da vida’ e apoiar a
candidatura de Sanders
Endividada. Para Nicole Potts, graduação foi um ‘erro’
“Estou vivo, não me
enterraram. Estou de volta”
Joe Biden
EX-VICE-PRESIDENTE DOS EUA
“Tenho absoluta confiança
que serei indicado”
Bernie Sanders
SENADOR DEMOCRATA
Bloomberg em baixa
Ventania de até
250 km/h mata
22 no Tennessee
Um tornado atingiu ontem a cida-
de de Nashville, no Estado do Ten-
nessee. O vento atingiu 250 quilô-
metros por hora, causando destrui-
ção e matando 22 pessoas. Pelo
menos 45 mil casas ficaram sem
energia, segundo os serviços de
emergência do Estado. A ventania
danificou também redes de água e
de gás e provocou quedas de árvo-
res que bloquearam estradas. O
aeroporto da cidade de 700 mil
habitantes também foi atingido e
vários hangares foram danificados.
Outros dois tornados passaram
ontem pelo Tennessee. Autorida-
des locais tiveram de substituir às
pressas as seções eleitorais des-
truídas para que os eleitores pu-
dessem votar na Superterça.