O Estado de São Paulo (2020-03-04)

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Este material é produzido pelo Media Lab Estadão.Este material é produzido pelo Media Lab Estadão.


ROLÊ POR SP


O GRINGO


E O TAXISTA


‘O


senhor não é daqui, não, né?’, diz em


tom de pergunta o motorista de táxi


que parou para o meu sinal de mão


na Avenida Paulista, anos atrás, muito antes


da internet e dos aplicativos. Referia-se ele ao


meu sotaque, imaginei, na época. Sou dos Es-


tados Unidos*. Vim para o Brasil pela primeira


vez aos 17 anos e, apesar de muito esforço de-


dicado ao aprendizado de português, língua


que amo e que, sem falsa modéstia, falo com


certa desenvoltura, nunca consegui perder in-


teiramente o sotaque.


‘Não, não sou daqui, não. De onde o senhor


imagina que sou?’, respondo para o motorista.


A ideia é me divertir. Gerar assunto. Pensei que


pudesse dizer: da Alemanha, já que alguns me


chamam de ‘Alemão’. O taxista pensa um pou-


co. Não diz nada de imediato. Vai tocando o


barco. Passa a Padre João Manuel e, também,


a Peixoto Gomide em silêncio.


TATUÍ?


Na altura do Parque Trianon, em frente ao Masp,


vira para mim no banco ao lado e chuta: ‘Tatuí?’


Dou uma boa risada, feliz da vida. Passara por


brasileiro. Caso não saiba, Tatuí é uma cidade


no interior de São Paulo, conhecido, tal como


Sorocaba e outras cidades interioranas, por sua


pronúncia característica, chamada sem muito


rigor histórico de ‘caipira’. Muitos paulistas do


interior e eu pronunciamos da mesma forma a


palavra, ‘porta’, por exemplo.


Essa história me veio à cabeça, dia desses,


em San Diego, na Califórnia, onde tento acom-


panhar, sem muito sucesso, o ritmo dos outros


motoristas numa das muitas estradas de alta


velocidade que cruzam a cidade. Voltávamos


para a casa do meu irmão, eu e meu fi lho ca-


çula, depois de ter ido às compras no shopping.


As ‘freeways’ são inúmeras no sul da Califórnia,


bem feitas, de pistas mil e velozes, ao menos


fora da hora do ‘rush’, quando, por incrível que


pareça, lotam e param. Tá aí a prova de que não


adianta mais estrada para resolver o trânsito,


como sempre disseram os urbanistas, aliás.


Ocorre-me, na estrada, a 128 quilômetros


por hora, como a mobilidade de cada cidade


define o seu caráter. Quando penso em São


Paulo, me vêm à cabeça os taxistas antigos, os


busões abarrotados de gente, a CPTM, e meu


querido metrô, que prefi ro, sempre que possí-


vel. Imagino que os jovens paulistanos se lem-


brarão dos motoristas de aplicativos, também.


O CARRO REINA NA CIDADE


Já San Diego é definida pelos automóveis


bonitos, muitos deles elétricos, a andar em


velocidades altíssimas. São eles e a busca


por uma vaga em estacionamentos sem fi m


que dão o tom. A gente passa muito tempo


no carro aqui. Não existe San Diego, ao me-


nos na minha cabeça, sem automóveis aos


montes. O carro reina na cidade. Eu e meu


fi lho Samuel passamos o tempo nas freeways


a identifi car os diferentes modelos de Tesla e


outros carrões e carrinhos elétricos.


Você não vai acreditar, mas na volta do


shopping paramos para tomar um açaí. Sim, tem


bastante aqui e o mais legal é que gera renda


para a Amazônia e o Brasil, sem maiores des-


matamentos. É um dos nossos produtos mais


sustentáveis. Entramos na loja, onde, como se


não bastasse, oferecem ainda pão de queijo


sem glúten (‘cheeseballs’). Será que existe isso


em Minas Gerais?, penso alto. Sammy não sabe.


Depois de um tempinho, sou atendido por um


jovem bem arrumado, que sai com esta, em por-


tuguês: ‘O senhor não é daqui, não, né?’


nasceu na cidadeMatthew Shirts*


de Del Mar, na Califórnia, EUA.


Desde 1984, mora em São Paulo


Foto: Cris Veit


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